sábado, outubro 09, 2010

Moscou, Bélgica

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Moscow, Belgium
Christophe van Rompaey
Bélgica, 2010
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Poucos gêneros de filmes são tão apoiados em clichês como a comédia romântica. Talvez este seja o mais esquemático dos gêneros, com histórias previsíveis, personagens superficiais e piadas quase sempre desgastadas. Naturalmente, há exceções. Mas via de regra, todas seguem o mesmo script.

Moscou, Bélgica também é uma comédia romântica, mas ao contrário dos seus pares de gênero foge dos clichês mais óbvios e apresenta uma história muito mais próxima da realidade, sem com isso deixar de lado o cômico e o romântico.

Vivendo no bairro chamado Moscou, na periferia da cidade de Ghent na Bélgica, Matty é uma mulher nos idos dos seus 40 e tantos anos e mãe de três filhos. Seu marido a deixou por uma mulher mais jovem, sua filha adolescência vive as erupções da idade e ela mesma ainda não se adaptou à separação. Sua vida não tem glamour, nem sofisticação. É uma mulher comum, sem grandes atrativos, bastante decepcionada com os rumos de sua vida. Isso fica claro logo nas primeiras imagens do filme, que mostram Matty fazendo compras com as filhas. A câmera fechada em seu rosto ressalta as marcas da idade, evidencia o cabelo maltratado e a expressão de absoluta apatia e desinteresse. Uma ótima seqüência que mesmo antes de qualquer informação introduz a condição de espírito de Matty.

Como se não bastassem seus problemas, Matty se envolve em um acidente de trânsito, batendo no pára-choque de um caminhão. A discussão entre ela e Johnny – o caminhoneiro – é ríspida e descamba para ofensas fortes. Até a chegada da polícia e a realização dos trâmites para as providências legais. A surpresa é quando Johnny muda de atitude e se desculpa. Não satisfeito, telefona. Até que por fim aparece de surpresa na casa de Matty.

Com o desenrolar dessa paquera, suas idas e vindas, suas complicações adultas, Moscou, Berlim vai se construindo como uma comédia romântica fora dos padrões do gênero. Não há na vida dos personagens espaço para sofisticações charmosas, ou questionamentos superficiais, nem filosofias de almanaque. São personagens marcados pela vida, que o filme trabalha com suavidade, mas sem banalização.

Além disso, a película explora com sutil ironia certos clichês românticos, como o gesto de “príncipe encantado” que calça o sapato nos pés da amada, ou o ato de cantar uma música dedicada à ela. Além, é claro, do grande clichê que é a forma como se conheceram, através de uma discussão de trânsito. Acontece que gêneros são baseados em clichês, em especial este gênero. O que faz a diferença entre um bom e mau filme é a forma como esses clichês são trabalhados, se com preguiça e repetição, ou com originalidade e renovação. Moscou, Bélgica segue a segunda linha.

Mas a melhor qualidade desse filmes é sua problemática e seu ritmo. A gravidade dos problemas no passado de Johnny, o modo como Matty tem de refletir suas decisões, a imaturidade emocional de seu ex-marido e a sexualidade em desenvolvimento da filha dão uma riqueza e complexidade ao cômico das situações. Assim, embora o filme seja de fato uma comédia, não cai no pastelão e preserva a seriedade da vida. Isso dá credibilidade à trama e aos personagens, mostrando sua humanidade falível nos gestos e nas fraquezas.

Há ainda a beleza do desenvolvimento inicial da relação entre Johnny e Matty. Como na bela cena em que ele desarma a resistência dela ao falar de forma direta – e a pedido dela - suas intenções imediatas, sem romantismo. E na maneira como ela reage nesse momento de forma surpreendente.

Até por não se negar como filme de gênero, com suas fórmulas gastas, Moscou, Bélgica não consegue evitar, em alguns momentos do roteiro, cair em algumas armadilhas. Repete em certa medida, talvez sem perceber, soluções manjadas para o desate dos nós de seus personagens. Mas não perde por isso sua graça e sua leveza complexa da problemática das vidas comuns e cheias de dificuldades de seus protagonistas. Eles incorrem em erros, em julgamentos e em destemperos tristes, porque são humanos e não meros fantoches de paixões infantilóides. Têm contas a pagar, filhos a criar e problemas sérios a resolver em suas vidas complicadas. Por isso se tornam tão doces quando desarmados pelo que a vida lhes dá de inesperado. No final, resta um sorriso, o risco que se corre na aventura, a coragem de fazer escolhas diferentes.

Moscou, Bélgica funciona como comédia, mas sem apelos de ridículo ou situações que desafiam o bom senso. É engraçado sem ser histérico e consegue, entre a graça e o drama, extrair beleza das relações atribuladas de seus personagens. Encanta porque não enfeita a vida, nem despreza sua natureza de imperfeições e rispidez. É bom filme, porque acima de tudo, não despreza a inteligência do espectador.

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