segunda-feira, setembro 30, 2013

Operação Invasão


Um filme de ação feito na Indonésia. Esta informação poderia ser suficiente para fazer muita gente olhar desconfiada para Operação Invasão. Mais conhecido pelo título internacional The Raid: Redemption, a produção asiática, contudo, acumula elogios de crítica e público como um autêntico representante do gênero de ação.

De fato, estão lá os elementos cristalizados desse tipo de filme. Há o herói, com sua demanda e suas motivações, e há o grande desafio. O roteiro e a história são secundários, apenas pretextos para que a ação ocorra. De um lado, honra e lealdade, do outro, covardia e corrupção, e em ambos os lados: policiais.

Um esquadrão de elite da polícia vai invadir um prédio que é inteiramente dominado – e fortificado – por um poderoso narcotraficante. Esta é a história.

Antes, porém, a abertura do filme reforça a obstinação e a demanda de um desses policiais. Casado, esposa grávida e a promessa dada a um homem velho de que vai trazer alguém de volta. Ali se firmam os laços sentimentais e de honra, além do pequeno mistério que envolve a promessa.

O resto é ação e tiroteio, além de uma fina (não confundir com refinada) trama que garante a típica virada surpresa perto do fim. Menos importante que qualquer motivo pra tiros e socos, a tal surpresa da trama é tão rala quanto o resto do enredo. Grossa mesmo, só a pancadaria. E é nisso que o filme é bom.

Á frente dessa pancadaria está o ator indonésio e mestre em artes marciais Iko Uwais. Campeão nacional de Silat, uma arte marcial praticada na região, ele encarna Rama, um novato do esquadrão de elite que vai invadir o prédio.

Já por trás da pancadaria está o diretor britânico Gareth Evans, cujo filme anterior, Merantau, também era recheado de lutas e estrelado por Iko Uwais. Em Operação Invasão, Evans condensa com muita competência a estetização da violência do cinema de ação, em especial do cinema de artes marciais.

Mais do que boas coreografias, o diretor utiliza uma montagem precisa e dinâmica para ressaltar a intensificar as cenas de luta. Ângulos criativos, sequências contínuas e perspectivas pouco acomodadas revelam o empenho do diretor em filmar a ação sem permitir uma câmera preguiçosa. Melhor ainda, não faz uso excessivo ou burocrático do desgastado recurso da câmera lenta.

O resultado remete ao que há de melhor na tradição dos filmes de artes marciais. Bem executadas, as lutas preservam até aquele exagero que beira o cômico, mas sem cair nele. Algumas, em sequências de vários minutos, são de tirar o fôlego. Entre uma e outra, o filme ainda estabelece uma tensão que se equilibra entre o labiríntico e asfixiante.

Na sua estetização da violência, a fantasia do filme embarca na brutalidade de perfurações à bala ou a faca, mas passa longe do exagero sanguinolento despropositado. Com isso, consegue se ater ao que mais interessa à sua proposta e gênero (a ação que não nos deixa piscar), sem perder o equilíbrio na dosagem dos elementos secundários.

Em outras palavras, é filme de grossa pancadaria sem tempo de enfeites. E seu êxito está principalmente em se assumir assim e não titubear no meio do caminho.
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Serbuan Maut
Gareth Evans
Indonésia/EUA, 2011
101 min.

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quarta-feira, setembro 18, 2013

O Último Desafio

 Mais até que seus companheiros de geração, Arnold Schwarzenegger é ícone de um tipo de filme de ação que rareia hoje em dia, atropelado por efeitos digitais e heróis de rosto delicado.

Pois é dobrando o cabo dos 65 anos de idade, e com o rosto ainda menos delicado, que o austríaco volta a protagonizar o tipo de filme que ele próprio simboliza.

Em O Último Desafio, tiros e pancadaria colocam Schwarzenegger no seu lugar natural: a ação. Mas o filme também o coloca, graças à articulação cinematográfica do diretor sul-coreano Kim Jee-Woon, em um subgênero inédito para o ator: o western spaghetti.

Isso porque, embora o filme seja ambientado no tempo atual, toda uma carga de “bang-bang à italiana” preenche parte da ação. Esta é a mão de Jee-Woon, notadamente devoto do cineasta Sergio Leone – também ele um ícone de gênero – como se pode ver pela filmografia do diretor.

Xerife de uma pacata cidadezinha que faz fronteira com o México, Ray Owens (Schwarzenegger) trocou a vida de policial na cidade grande pela tranquilidade do interior. Comanda uma equipe de policiais que beiram a ingenuidade, conhece as pessoas pelo nome e passeia de bermuda pela cidade em seu dia de folga.

A paz só é quebrada quando um poderoso narcotraficante em fuga para o México, perseguido pelo FBI e apoiado por um “exército de capangas”, terá de passar pela cidade.

Para impedir a travessia, o xerife e seu limitado efetivo será acrescido de um colecionador de armas meio fora do eixo (Lewis Dinkum) e o namorado de uma policial local, que estava preso por bebedeira e baderna (Rodrigo Santoro).

Com um roteiro primário, situações sem muita explicação e personagens rasos, a primeira metade de O Último Desafio é pobre e quase sem nexo. Amontoam-se cenas de fuga e perseguição mal tramadas, culminando com o fugitivo pilotando um Corvette ZR1 (!) como se não houvesse amanhã.

Ao que parece, toda precariedade de roteiro e trama servem unicamente para a segunda parte do filme, quando a produção finalmente ganha contornos de estilo, atmosfera, ação bem dirigida e humor eficiente.

Recria-se então um gênero dentro de gênero, do cinema de ação dos anos 80 ao faroeste macarrônico. É onde o filme cresce. Está lá a cidadezinha deserta, assim como os bandidos forasteiros que vêm perturbar a ordem, o xerife altivo que se dispõe, mesmo com menor poder de fogo, a enfrentar os fora da lei.

Tiroteios, telhados, metralhadora gatling, colt 45, saloon e até um corpo a corpo com jeito de lucha libre compõem, de modo real ou figurativo, um estilo que o filme trabalha com vigor e comicidade bem colocados.

Mesmo carregado de problemas, O Último Desafio revive durante uma parte de sua duração – e com bastante força – não apenas gêneros entrelaçados, mas também o carisma e o espírito do cinema que fizeram de Arnold Schwarzenegger um ícone. Atributo que, por ora, nem mesmo a idade conseguiu apagar.
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The Last Stand
Kim Jee-Woon
EUA, 2013
107 min.

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segunda-feira, setembro 16, 2013

Agatha e as Leituras Ilimitadas




(Texto publicado originalmente em dezembro de 2010)

Corresponsável por um dos filmes mais importantes da história do cinema (Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais [1959]), do qual foi roteirista, a escritora vietnamita Marguerite Duras ganha em São Paulo uma mostra dedicada a seu trabalho como cineasta.

Em exibição no Cinesesc, Marguerite Duras: Escrever Imagens reúne filmes que Duras realizou, a partir de 1966, entremeando a carreira principal de escritora com a de diretora. São obras de aproximação com a literatura, que buscam na imagem e na forma ecos e consonâncias com as palavras.

Em Agatha ou as Leituras Ilimitadas há como que uma busca pela desvirtuação do cinema enquanto linguagem imagética do movimento.

Tem-se aí uma experiência de cinema com a radicalização de sua forma primária (a fotografia) para trazer literatura. Algo como uma forma que tem no texto a palavra e na imagem o sentimento. Uma sintaxe única, construída na imobilidade de corpos muitas vezes semiocultos no quadro quase estático.

Seu ponto de partida, como já assinalava no texto de Hiroshima, Meu Amor, é a memória, o tempo e a presença física desta memória e deste tempo. Uma elaboração da busca calcada na dialética subterrânea do sentimento, agravada neste caso pela imoralidade de um desejo proibido.

Na vontade de lembrar e de se despedir de um tempo, um casal de irmãos incestuosos retornam ao balneário de uma infância cuja lembrança traz o amargo e o delicioso do proibido de seu amor inevitável. Mas há uma despedida, pois esse amor é impossível de ser vivido plenamente, e um deles deve partir.

Descontinuadas e sem pressa, as imagens aqui dão suporte à palavra, que tenta na sua poesia adentrar um sentimento que o mergulho na imagem acentua. Cruzam-se, assim, literatura e cinema numa narrativa descontínua, como é típico na memória dos fatos, quase sempre menos nítida que a memória dos sentidos.

Por isso a mobilidade mínima da imagem é como um aprisionando, uma tentativa de reter o tempo e com ele a memória e com ela o sentimento: a dor e a paixão da descoberta proibida. Mas na luz de inverno da fotografia, o local, fora de temporada e desértico, revela também a expressão de abandono, a despedida dos dias.

Daí, em certa medida, a urgência em lembrar e reconstruir essa memória como que pelo expurgo, a catarse da memoração. Revitaliza-se nesta melancolia verões passados, o amor incestuoso que ali nasceu proibido e se consumou e os consumiu por tantos anos.

Agatha ou as Leituras Ilimitadas é uma bela experiência poética, antes de tudo. Como cinema, porém, não se encontra plenamente na sintaxe pretendida. Há um ruído, uma sutil dissonância entre texto e imagem, ambos belíssimos, mas que não se unem por inteiro.

Apesar disso, fica a interessante experiência poética, mergulhada em universo de inquietações e sentimentos perdidos entre o desejo e o proibido, trabalhados sob o prisma de memória.
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Agatha et les Lectures Illimitées
Marguerite Duras
França, 1981
90 min.

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quinta-feira, setembro 05, 2013

Las Acacias


Depois de quase dois anos circulando em festivais e acumulando prêmios - com destaque para o "Caméra D'or" do Festival de Cannes de 2011 -, só agora o argentino Las Acacias estreia por aqui. 

Passado quase todo na cabine de um caminhão, o filme parte de uma convivência forçada calcada no estranhamento e na dureza de vidas amargas. Entre elas, um bebê recém-nascido, uma estrada a ser percorrida e um fronteira a ser transposta.

Rubén (Germán de Silva) é um caminhoneiro que transporta madeira do Paraguai para a Argentina. Jacinta (Hebe Duarte) e sua filha de cinco meses, Anahí (Nayra Calle Mamani), precisam chegar a Buenos Aires. Por meio de um combinado, o caminhoneiro se encarregará de levá-las até a capital argentina. 

Entre eles, a rispidez será a primeira forma de contato. Uma rispidez que parte de Rubén, a quem não agrada viajar acompanhado de uma estranha, muito menos com uma criança pequena e cheia de necessidades como alimentação e troca de fraldas.

Indiferente ao drama de Jacinta - abandonada pelo pai da criança, tentando escapar da pobreza em busca de uma promessa de trabalho no país vizinho - o caminhoneiro não se preocupa em disfarçar o transtorno que vê na presença de mãe e filha na sua travessia de trabalho.

Homem calado, ressecado pela vida e pela solidão da estrada, Rubén parece ser incapaz de estender a mão, de expressar qualquer gesto simpático. No rosto, o homem áspero carrega não apenas os vincos e as marcas da vida, mas também, mal ocultos, ressentimentos de relações incompletas.

À Jacinta cabe suportar a viagem, conter as lágrimas, insistir na convicção (aqui muito mais uma passagem para a aceitação) de que sua filha não tem pai, de que ambas estão sós para enfrentar o tanto que a vida ainda reserva. É como se para ela a árida estrada e a áspera indiferença fossem um prenúncio do mundo que virá, agora que é mãe só.
  
A viagem, contudo, dentro da metáfora universal de se percorrer um caminho, transforma a todos. Mas em Las Acacias não há espaço para filosofias de transformação. O que se tem é a estrada, quase nunca mostrada, e dentro da cabine o universo dos viajantes, confinados ao espaço.

Será dentro desse espaço que surgirão ensaios de aproximação, silêncios regidos pelo motor do caminhão, como se a cada marcha trocada surgisse um convite inevitável para se transpor a barreira que os separam.

O diretor Pablo Giorgelli aposta no minimalismo para desenhar com traços fortes o amargo de seus personagens, da tristeza à solidão. Faz da boleia do caminhão uma atmosfera densa do que há de trágico e duro na vida de seus personagens. E a partir desses traços fortes de aspereza e abandono, esboça com sutileza o que há de humano ocupando os espaços das palavras que não são ditas.

Sem adereços de perfumaria, Las Acacias constrói uma fábula seca e crua que nasce a partir do silêncio. É esse espaço de gestos entre as palavras, de sorrisos esboçados entre rostos aflitos e de afeto que brota no ressecado solo de vidas difíceis que o ser humano surge inesperado, mas também inevitável.

Como viagem de transformação, o caminho desse filme desmonta a aspereza para fazer dela algo um pouco mais doce e delicado, sem que para isso precise apelar para sentimentalismos banais.
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Las Acacias
Pablo Giorgelli
Argentina/Espanha, 2011
82 min.

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