quinta-feira, julho 28, 2011

Homens e Deuses




Des Hommes et des Dieux
Xavier Beauvois
França, 2010
122 min.

No filme “Homens e Deuses” a fé religiosa se apresenta ancorada na fibra do caráter e na retidão do pensamento. Ela não é uma dádiva fácil ou um conto para tolos. É antes de tudo uma forja, necessária e algumas vezes fugidia, que pode estar ligada a conceitos não tão distantes como a ética. Porque antes de acreditar em Deus é preciso acreditar no homem.

Em um mosteiro católico no interior da Argélia, monges franceses realizam um trabalho humanitário de assistência à comunidade do entorno, toda ela mulçumana. A importância e harmonia desse trabalho, e seu reconhecimento por parte da população, é tão grande a ponto dos habitantes locais dizerem que o vilarejo só existe por causa do mosteiro. Tudo se dá com grande respeito pela fé de cada um, numa relação quase idílica.

Mas o medo passa a rondar o vilarejo quando uma facção islâmica radical inicia atos de terror na região, promovendo chacinas e retaliações a qualquer um que se mostre flexível na interpretação das leis do Islã. Quando o governo oferece proteção ao mosteiro ela é recusada pelo líder dos monges, que não admite receber ajuda de um governo que julga corrupto e tão assassino quanto os terroristas.

Inicia-se assim, entre os monges, um debate sobre permanecer ou fugir. Divididos, alguns monges se revelarão, nesse momento de real desafio e necessidade de fé e caráter, fracos e temerosos. Especialmente no que se refere à possibilidade da morte. Um temor que descortina a fragilidade da fé e da convicção na missão sacerdotal.

Mesmo os que se mostram desde sempre convictos de seu propósito sofrem o peso da dúvida, o peso da responsabilidade de suas atitudes, decisões e posicionamentos, pois o que está em jogo são vidas humanas. Ficar ou partir está além de uma escolha simples, envolve a comunidade que precisa deles, mas, acima de tudo, envolve suas convicções sacerdotais e sua missão cristã.

Diante desse infortúnio de ordem espiritual e mundana (a fé na missão e a possibilidade de morrer em nome dela) levará todos a uma dolorosa reflexão e à busca pelo elo perdido entre eles. Seja pela fé que alguns deles julgavam ter e veem-se súbito abandonados, seja pela difícil decisão firme de se posicionar e resistir.

O diretor Xavier Beauvois trabalha essa complexa questão de busca e redescoberta com uma narrativa que extrai da imagem a simbologia do homem como parte da grande obra divina. Obra essa que se mostra no detalhe do trabalho simples, na natureza rica em falsos silêncios e cujos ruídos são o testemunho dessa obra. São composições e enquadramentos de simbologia e beleza extrema, momentos em que através da imagem vemos o homem em perfeita comunhão com a natureza na busca de respostas para suas aflições.

Contrapõe-se ao cotidiano os momentos de orações e recolhimento dos monges, numa alternância que parece querer equilibrar o trabalho e a vida cotidiana com a comunhão com Deus. No início parecem coisas distintas, mas ao longo do filme ganham a dimensão de uma coisa só, única e indissolúvel.

Entre uma coisa e outra, há o enfrentamento dos problemas cotidianos, há que prestar assistência média à comunidade, cuidar dos animais lidar com a missão. É com esses elementos diversos que o filme compõe um quadro de beleza humana rara, pelo qual a fé será restituída quando da consolidação do caráter. Somente assim as convicções serão resguardadas e o enfrentamento do medo, da morte e de todas as coisas será possível entre eles, homens de fé e trabalho humanitário.

Quando passam a acreditar em si próprios, passam a acreditar de fato em Deus. E quando isso acontece tudo se torna cristalino. Beauvois se baseou em fatos reais ocorridos em 1996 para realizar seu filme. Consegue assim criar uma obra que nos carrega pela contemplação e compreensão da fé, mas também em um protesto político e denúncia do terror e do absurdo.

“Homens e Deuses” é um filme que diz muitas coisas, nem sempre com palavras, nem sempre fáceis de entender. A mim trouxe, entre outras coisas, a mensagem de que a crença, a fé, seja ela no que for, transforma e fortalece o homem. E o mundo precisa muito de homens transformados e fortalecidos.
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