quinta-feira, junho 23, 2011

Potiche - Esposa Troféu



 Potiche
François Ozon
França, 2010
103 min.

“Potiche”, que estreia nessa sexta (24), é o que se pode chamar de uma comédia crítica. Através de uma ironia sutil e do inesgotável charme de Catherine Deneuve, o filme mostra a ascensão de sua protagonista de mero “ornamento” do lar para uma líder carismática.

Deneuve interpreta Suzanne Pujol, uma esposa exemplar a serviço de seu marido, Robert Pujol (Fabrice Luchini). Suzanne ocupa seu dia com exercícios matinais, cuidados com a casa e com pequenos poemas que escreve sebre as coisas triviais. Seu marido cuida da empresa da família, fundada pelo pai de Suzanne. Uma fábrica de guarda-chuvas que ele comanda com dura mão capitalista.

A história se passa em 1977 e Suzanne representa a típica conformação de uma esposa que tolera as grosserias do marido, bem como sua indiferença e seus casos extraconjugais. Com dois filhos já crescidos, ela não parece ambicionar qualquer coisa e não se incomoda com sua função meramente ornamental. A sequência que abre o filme, na qual Suzanne pratica cooper de agasalho e cabelos enrolados não é apenas rica em ironia, é também sintomática de uma época e do pensamento de uma época.

As coisas começam a mudar quando uma greve paralisa a fábrica da família. Irredutível, Robert se recusa a atender às revindicações dos funcionários ou a ouvir a opinião de seus filhos e esposa. Para resolver o conflito, Suzanne toma uma atitude e pede ajuda ao Maurice Babin (Gérard Depardieu), um deputado trabalhista, desafeto de seu marido, com quem ela teve um caso na juventude.

Diante do impasse dos trabalhadores, da intervenção do deputado e de denúncias de sonegação, Robert sofre um princípio de enfarte, tendo de ser afastado da direção da empresa. Com os filhos se negando a assumirem os negócios, restará a Suzanne, diante do riso debochado de todos, assumir o comando.

Dirigido pelo profícuo François Ozon, o filme se mostra competente no desenvolvimento cômico das situações, com um bom timing para fazer rir. Consegue ser engraçado ao mesmo tempo que desenvolve com sutileza uma bem arquitetada parábola sobre a emancipação da mulher. Suzanne, de quem todos duvidaram, ascende cada vez mais como uma negociadora justa e firme, além de competente administradora. Isso graças à sua desenvoltura, delicadeza e humanidade.

O filme trabalha esse “despertar” de Suzanne, que se descobre capaz de administrar uma grande empresa e gerenciar conflitos sem perder sua sensibilidade. Para emancipar-se, ela não precisa se transformar, nem usar de cinismos. A cena que melhor simboliza isso é quando ela se veste para uma reunião com uma comissão de operários em greve. Ao vestir-se de forma elegante, inclusive usando joias, para falar com a classe trabalhadora, ela mantém sua autenticidade. Age de forma ousada dentro de uma ingenuidade na qual se preserva sua franqueza e seu caráter.

A narrativa reserva boas surpresas e momentos divertidos. Catherine Deneuve e Gérard Depardieu dançando em uma discoteca é algo que não se vê todo dia no cinema. Ozon, muito antenado, aproveita o histórico dos dois atores, que já trabalharam juntos em outros filmes, para construir um caso no passado de seus personagens. Desse modo, o diretor não apenas homenageia dois símbolos do cinema francês, mas se aproveita do imaginário que eles construíram como par romântico. Com astúcia, viabiliza seus personagens lançando mão desse imaginário pronto, se apoiando no carisma e na química entre Depardieu e Deneuve.

O resultado é uma ótima comédia temperada com crítica social. Se, num primeiro momento, o tema do filme pode parecer datado, ou o objeto de sua abordagem um assunto superado, basta um olhar mais atento na realidade e a observação em perspectiva do filme com o presente para se perceber que nem tanto. Talvez um filme ambientado em 1977 seja mais atual do que se imagine.
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