quinta-feira, outubro 27, 2011

O Palhaço



O Palhaço
Selton Mello
Brasil, 2011
90 min.

Lírico, delicado, melancólico, esperançoso. Estes são alguns dos adjetivos empregados para se falar de O Palhaço, segundo filme dirigido pelo ator Selton Mello. Os adjetivos estão corretos; é difícil falar dessa obra sem repeti-los.

Benjamim (Selton Mello) desenvolve uma obsessão por ventiladores. Como que descontextualizada e ao mesmo tempo simbólica, essa obsessão atravessa o filme para significar o achado, a conquista de algo tão simples como um ventilador. Não se engane com esta ilusória simplicidade. Aqui, o eletrodoméstico marca uma redescoberta íntima em Benjamim, que passa todo o filme perdido diante da dúvida sobre sua vocação e futuro.

Se no picadeiro Benjamim é o palhaço Pangaré, fora dele é melancolia sempre. Apresenta-se com seu pai, o palhaço Puro Sangue (Paulo José), dono do circo Esperança. Forma, com outros artistas, uma trupe que percorre as pequenas cidades do interior com seu espetáculo, muitas vezes tão pobre e precário quanto as pessoas que o vão aplaudir.

Benjamim vive uma crise interna. Faz rir, mas não encontra quem o faça rir. Ele é o palhaço triste; arquétipo que emana de seu íntimo, não de sua maquiagem. Transita quase sem entusiasmo pelos problemas recorrentes dos outros artistas, que absorve como seus, aprofundando sua insatisfação melancólica com a vida mambembe.

Mello cria um registro lírico em um filme de estrada, como bem manda a cartilha dos filmes de circo. Mas não se entrega a clichês fellinianos ou a sentimentalismos baratos, de sentimentos fáceis. Seu protagonista carrega na tristeza a mesma complexidade e a mesma simplicidade do humano. Ele tem dúvida, amargura-se com ela e vai em busca das respostas.

Não por acaso Benjamim precisa tirar sua identidade, documento que o registra no mundo com rosto, ao contrário da certidão, que apena diz que ele é nascido. Junto com o ventilador, é uma identidade que ele busca. A descoberta de quem ele é, em todos os sentidos.

Enquanto segue pela busca ou amarga na angústia de seu herói desarmado, O Palhaço entrega sucessivas pílulas de riso, revestidas de delicadeza, incertezas, fragilidades. É um humor dosado, sem apelos baixos, de uma doçura comovente e sincera. Nesta narrativa de descoberta e beleza, o ritmo patina no início, demorando-se mais que o necessário nas cenas de circo, que melhor efeito teriam se reservadas com maior volume apenas para o fim. Nada que desmereça a graça de O Palhaço.

É uma história que obtém sua grande verdade na epifania do riso, algo de valor inestimável quando construído ou nascido das humanas verdades, não das hipócritas manipulações do ridículo.

Se a tristeza parece ser o tema universal do cinema de Selton Mello - como parecia prenunciado no densamente amargo Feliz Natal, seu primeiro filme - em O Palhaço ele a trabalha com esperança. Sem plenas felicidades, mas com a revelação da vida e do humano no simples gesto de rir e de fazer rir.
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