terça-feira, janeiro 24, 2012

J. Edgar


 

J. Edgar
Clint Eastwood
EUA, 2011
137 min.

J. Edgar, novo trabalho de Clint Eastwood na direção, é um filme amargo. Não há pompas e grandiloquências no retrato que Clint traça do homem que praticamente fundou o FBI (Federal Bureau of Investigation) e o administrou por 48 anos. Mas há força. A força de um homem implacável, determinado, e ao mesmo tempo frágil. Mas de uma fragilidade oblíqua, jamais a incapacitá-lo de fazer o que achava que devia fazer.

O FBI é a mais organizada e exemplar polícia do mundo. Subordinada ao Departamento de Justiça americano, foi criada em 1935, quando J. Edgar Hoover dirigia o braço do departamento responsável pela investigação de crimes federais. Eram os anos do crime nos EUA, a década da depressão, da lei seca e de criminosos que exerciam grande fascínio na população, desalentada com as instituições oficiais.

Um tempo em que nomes como John Dillinger, Pretty Boy Floyd, Kate "Ma" Barker, Alvin "Creepy" Karpis, George "Machine Gun" Kelly e Baby Face Nelson tinham seus feitos noticiados, e não raramente aumentados, pelos jornais. Todos eles foram presos ou mortos pelo FBI sob o comando de Hoover.

No filme, sua história é construída em flashback. Leonardo Di Caprio, sob uma convincente maquiagem de envelhecimento, interpreta J. Edgar. Ele começa a ditar sua autobiografia para agentes escolhidos a dedo para a tarefa de registrarem seu legado. Quer contar a história do FBI e sua própria história. Entre relatos e lembranças (nem todas ditadas), regressa até o ano de 1919, quando era um jovem agente do Departamento de Justiça designado para investigar atentados comunistas contra membros do departamento.

Já em suas falas iniciais, na voz off que abre o filme, demarca seu terreno ideológico; patriotismo inflexível e uma irremovível aversão à desordem, ao comunismo e a qualquer ideal liberal que, no seu julgamento, ameace a integridade e o caráter dos Estados Unidos da América. Esta será a coerência de sua vida, pela qual fará o que for preciso para manter seu país seguro. Metódico e minucioso, deve-se a Hoover o uso da ciência na investigação criminal, usada hoje por polícias do mundo todo.

É nesses termos que Clint desenha Hoover, mas constrói esse mito dentro de uma amarga permanência no poder. Essa amargura não surge como consequência desse poder ou de suas ações, nem de uma solidão inerente à função, mas de uma característica própria do homem cujo histórico guarda um amplo leque de chantagens e perseguições. O poderoso diretor do FBI que se sustentou no poder “atravessando” oito presidentes. Sua amargura vem dessa permanência, sustentada por chantagens e intimidações, por suas disfunções afetivas na dependência materna, figura que é a base de sua sustentação, mas também a repreensora velada de sua natureza íntima: a homossexualidade.

A abertura sem vírgulas dessa sua característica pode ser a grande polêmica do filme, rechaçada por seus defensores, vista como uma desonra. Clint intensifica esse aspecto de seu personagem e o filme não faz concessões a qualquer dúvida quanto a isso. Mas em momento algum faz disso matéria de julgamento moral. No entanto, apesar da posição que ocupava e dos anos em que viveu, sua sexualidade não é fator determinante para a construção de seu caráter, de seus resentimentos e de sua postura ideológica.

Com o talento e a sensibilidade de sempre, Clint trabalha isso na esfera da complexidade humana, no modo como J. Edgar se deixa ou não afetar. Mas não passa em branco seu relacionamento de uma vida inteira com Clyde Tolson (Armie Hammer), que foi seu braço direito no FBI por todo o tempo que permaneceu à frente do bureau.

Sem qualquer demérito pelo que construiu, a figura de J. Edgar não é enaltecida pelo filme, que não ameniza em nada sua crueldade, seus preconceitos e sua luta contra o que considerava ameaças a si e ao país. De Caprio incorpora com competência esta personalidade que nunca foi ambígua na determinação de passar por sobre qualquer coisa que estivesse em seu caminho. Suas convicções sempre foram claras e sua postura muito bem definida.

Sem enfeites, J. Edgar é um filme honesto, desburocratizado e eficiente. Não busca um retrato histórico acrítico, mas um retrato em perspectiva de uma figura cujo valor como homem e cidadão pode ter mais de uma faceta. Vai da vilania à determinação pelo dever, mas não assa pela coragem. Para além do bem e do mal, Hoover é construído por Clint como um homem que teve na amargura das convicções o tempero de toda sua vida. Foi grande e pequeno ao mesmo tempo. E deixou, sim, um legado. Mas um legado manchado por ações covardes e indefensáveis.
--

0 comentários:

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger