segunda-feira, maio 12, 2014

Philomena

Enquanto Philomena (Judi Dench) e Martin (Steve Coogan) são transportados de um terminal a outro do aeroporto em um carrinho de transporte, ela nota que ele carrega um livro e pergunta sobre o que é. Ele responde brevemente, algo sobre política. Ela então mostra o seu (um desses romances em série com histórias açucaradas) e passa a contar, em detalhes, toda a trama do livro e seu desfecho, que a surpreendeu muito, apesar de ser um tanto óbvio.

Talvez esta seja a cena fundamental de Philomena. Não apenas porque por meio dela se reforça o perfil de cada personagem e a distância entre eles (um reforço contrastado pelo enquadramento da situação, que os coloca lado a lado), mas também porque nela está contido algo da essência narrativa adotada pelo diretor: um dramalhão “desdramatizado”, que é o mesmo tom usado por Philomena para descrever o drama do romance.

Dirigido pelo diretor britânico Stephen Frears e um dos nove indicados ao Oscar de melhor filme em 2014, o filme é sobre esta mulher que, quase 50 anos depois, decide buscar o filho que foi tomado dela ainda bebê. Aconteceu no início dos anos 50, numa Irlanda católica e conservadora. Jovens indevidamente grávidas eram abandonadas por suas famílias em um convento. Ali, as moças trabalhavam e pariam seus filhos, sofrendo (e mesmo morrendo) de acordo com a "vontade de Deus". Muitos desses filhos eram dados para a adoção, mesmo contra a vontade das mães.

Foi este segredo que ela guardou todo esse tempo. Até contar para sua filha e esta contar para o jornalista Martin Sixsmith. Recentemente demitido de um cargo no governo, Martin é desses tipos cuja fé reside apenas em algo que reconheça como intelectualmente sofisticado. É do tipo que debocha com presumida ternura, sempre em tom condescendente, de pessoas simples como Philomena.

Com isso estão todos os elementos para um dramalhão, adocicado pela transformação de Martin em uma pessoa melhor graças à convivência com Philomena. Felizmente, não é este caminho óbvio que o diretor segue. Mesmo sendo o filme uma história verídica, com direito a foto dos verdadeiros personagens nos letreiros finais.

Para começar, o filme é um exemplo de obra enxuta. Isso não se nota apenas na duração curta, mas no modo como a narrativa, desde o começo, se monta sem sobras, amarrada com um ritmo impecável em que a emoção não depende de artifícios para ser criada. São as atuações e o senso de justeza da cena que garantem uma conexão imediata com a história.

Das atuações, Judi Dench é de uma simplicidade comovente, que sustenta um equilíbrio entre sua dor e a representação de um estoicismo pungente, tudo desconstruído com um refinado timing para o humor.

Na construção do drama, o diretor o rejeita naquilo que tem de mais óbvio para fazer um filme de uma obviedade que o cinema esqueceu, mas que é inerente à vida. Assim, mostra que nem todo drama precisa ser representado como um sofrimento atroz, mesmo que seja atroz este sofrimento.

Sem apelações de música subindo para fazer chorar, sem afundar momentos-chave em lágrimas piegas e exageradas, o drama que nasce de Philomena é efetivo e simples. Por isso é tocante e sincero, e por isso comove com muito mais força.

Como o artigo que o Martin Sixsmith na vida real escreveu, também o filme atua como uma crítica à igreja católica, com farpas para o conservadorismo, seja na Irlanda, seja nos EUA. Neste aspecto, se aproxima do maniqueísmo, o que é sempre um problema.

Mas sua real qualidade está na composição da figura humana de Philomena, que representa o estoicismo católico sem o ranço de uma ingenuidade pura, santificante, mas com a simplicidade de quem está sempre disposta a perdoar e olhar para o próximo sem julgamentos e com delicadeza. Sem com isso deixar de reconhecer, por exemplo, que ter feito sexo na adolescência foi uma das melhores experiências da sua vida, mesmo tendo causado tanto sofrimento.
--
Philomena
Stephen Frears
Reino Unido/EUA/França, 2013
98 min.

Trailer

 

Eu, Cinema Copyright © 2011 -- Powered by Blogger