domingo, junho 19, 2011

Meia Noite em Paris




Midnight in Paris
Wood Allen
Espanha/EUA, 2011
100 min.

Ao iniciar o filme com uma sucessão de imagens deslumbrantes de Paris, Wood Allen reforça o mito da cidade cuja beleza ofusca qualquer olhar. “Meia Noite em Paris”, que estreou nesta sexta (18), parte dessa magia da cidade para criar uma fantasia que atravessa o tempo e explora a idealização que temos do passado. Será com essa viagem no tempo que Allen conduzirá seu protagonista de um estado apático entre a insegurança e o sonho para a descoberta de sua própria voz.

Gil Pender (Owen Wilson) é um roteirista de Hollywood insatisfeito com seu trabalho. Seu desejo é ser escritor e está determinado a finalizar seu romance e deixar os roteiros de filmes para trás. Ele está passando alguns dias em Paris com a noiva Inez (Rachel McAdams). Ela, filha de um rico empresário, não vê com bons olhos a mudança que Pender quer fazer na carreira, se arriscando na literatura quando os roteiros de cinema poderiam ser mais rentáveis. Ela é pragmática, ele sonhador.

O que demarca com clareza essa oposição de personalidades é o modo como cada um enxerga Paris. Enquanto que para Inez a cidade é apenas um bom lugar para passear e fazer compras, para Gil é muito mais. Gil enxerga Paris como algo mágico, cheio de uma poesia gotejante em cada detalhe, nos cafés, nas esquinas, nas ruas e becos. Para ele, Paris é mais que uma simples cidade, é toda uma atmosfera que guarda segredos, beleza e inspiração por todos os lados.

O desafino entre os noivos aumenta quando surge o casal Paul e Carol, amigos de Inez. Paul está na cidade como convidado da Universidade de Sorbonne, onde ele realizará uma palestra. Gil não tolera o ar pedante de Paul, sempre exibindo sua erudição. Já sua noiva Inez se mostra uma admiradora fascinada pela ampla cultura de Paul.

Uma noite, recusando mais um convite para sair com o casal, Gil decide caminhar por Paris à noite. Ao se perder, acaba por ser levado a uma festa que remete à Paris dos anos 20. Ao conhecer as pessoas da festa e ser levado a outros lugares de uma Paris mágica perdida no tempo, irá conhecer figuras de um imaginário fascinante. Será a partir dessa convivência que terá a chance de descobrir não apenas a si mesmo, mas de enxergar sua vida com uma nova e reveladora perspectiva.

A conexão entre fantasia e realidade representa o universo da vida de Gil Pender. Atrelado a uma relação com alguém que o quer prender no mundo real de limitações práticas cotidianas e sem imaginação, ele tem sua força criativa limitada pela insegurança. Para se libertar, terá que encontrar sua própria voz e para isso irá buscar referências em grandes nomes das artes que o antecederam e que são suas referências. Mas isso ocorrerá com uma proximidade com a qual ele jamais sonhara.

A fantasia que Wood Allen constrói a partir das improváveis peripécias de seu protagonista por uma Paris mítica, revela não apenas uma deferência aos grandes artistas que coabitaram a cidade no início do século. Mas evidencia também a idealização do passado que afeta tantos de nós, credores de um saudosismo daquilo que sequer vivenciamos e que por isso mesmo cremos ser melhor que o presente. Nesse sentido, vivemos a permanente insatisfação do tempo, achando sempre que o antes era melhor que hoje.

Para desconstruir o equívoco, Allen se aprofunda na sua fantasia e revela personagens sintomáticos desse eterno mal; o de olhar saudoso para o passado e fazer-se cego para o presente. Cego a ponto de não enxergar o óbvio. A jornada fantástica de Pender o fará encontrar sua voz e seu verdadeiro equilíbrio, mas será na realidade que essa descoberta deve atuar e ser preponderante.

“Meia Noite em Paris” consegue ser belo, tocante e divertido. Não alcança os clássicos de Allen, mas se sustenta também como uma busca. Wood Allen já encontrou sua voz há muito tempo. Talvez esteja agora buscando reencontra-la em outra modulação. Enquanto busca, não alcança o mesmo nível que obras suas passadas, mas contribui imensamente para que a experiência do cinema possa ainda ser algo de sublime e delicado, como nenhum outro diretor consegue ser.
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1 comentários:

Lucimeire disse...

Adorei o filme e sua crítica, cada vez mais refinada!

 

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