terça-feira, novembro 16, 2010

Ondulações

34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
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Curling
Denis Côté
Canadá, 2010
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O gostar ou não de um filme muitas vezes passa por uma subjetividade que nos escapa a compreensão. Descobre-se nessas ocasiões que são as pequenas coisas – e em certos momentos as pequenas coisas estranhas – que guardam os mistérios de muitos sentidos.

No inóspito inverno do Quebec conhecemos Jean-François, pai da jovem Julyvonne de 13 anos. Ele ganha a vida com pequenos serviços de limpeza e manutenção em um hotel local e no boliche do lugarejo. Tem um zelo exagerado com a filha, a quem não permite que frequente a escola, nem conviva com ninguém quando ele não está por perto. A mãe de Julyvonne cumpre pena na penitenciária, mas não se sabe qual crime cometeu.

Jean-François acredita poder educar a filha sozinho. Educá-la e instruí-la. É um homem solitário que parece ter um medo patológico das relações e mantém sua filha num isolamento cerceador.

Julyvonne, por sua vez, vivencia a solidão imposta por seu pai sem grande rebeldia. Tem seu jeito de lidar com ela, a solidão, manifesto por comportamento estranho. Ela passa o dia sozinha, em casa, enquanto o pai trabalha. Mas não fica trancada. Sai frequentemente sob densa neve e intenso vento para fazer passeios por um bosque próximo. Um dia, encontra cadáveres na neve.

Á partir daí seu cotidiano passa a flertar com uma morbidez que abriga também uma certa inocência e é o claro reflexo de seu isolamento. Alivia sua solidão no silêncio do bosque, no silêncio da neve, no silêncio da morte. Deitada sobre a neve, ao lado dos mortos.

Ondulações não é um filme simples. Possui uma dinâmica quieta, preenchida por mistérios que nunca serão revelados, e trás uma inquietude que nos absorve sorrateiramente.

Fala de medo, de solidão, de estranhamento. Fala de um tipo de afastamento do mundo para uma melhor proximidade com o íntimo. A relação entre Julyvonne e seu pai não é conturbada, embora se mostre algumas vezes atritada. Preserva nos gestos carinho gélido e sincero, oculto no silêncio e em momentos de liberdade vigiada.

Jean-François, por sua vez, diante da insistência dos que os cercam - e até ensaiam uma amizade com ele -, se questiona sobre sua postura, sobre o que é melhor para a filha. Representa o pai que na insegurança e desejo do melhor para um filho, não percebe que extrapola os limites da proteção.

Em Ondulações é difícil entender essa relação de afeto entre os personagens, suas motivações para comportamentos tão estranhos. Mas mesmo toda essa estranheza, que parece afastar, trás também uma afetuosidade e uma aproximação rara entre pai e filha. Um sentimento que se expressa muitas vezes por uma estranha limitação da liberdade de ambos.

Toda essa afetuosidade anacrônica se faz presente através da solidão e de um medo indefinido e profundo. Seu andamento é compassado e cruza no meio do caminho com a morbidez e com o desespero. Mas no final o que fica é uma enternecida promessa de mudança. Através de um sorriso, de uma esperança e de um pouco mais de liberdade para ambos.
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