sábado, julho 02, 2011

Estranhos Normais



Happy Family
Gabriele Salvatores
Itália, 2010
90 min.

Vincenzo, personagem de Fabrizio Bentivoglio na comédia “Estranhos Normais” - que estreou na última sexta (01) -, é um escritor que, como diz o velho axioma de um blog jornalístico-literário, não tem nenhum compromisso com a realidade. Essa indisposição com o real é o dispositivo fundamental do filme, montado através de uma metalinguagem que às vezes desnorteia. Contudo, é pela desconstrução da verossimilhança, pontuado por personagens estranhos, que o filme revelará a normalidade.

Dirigido por Gabriele Salvatores, o filme nos apresenta Vincenzo como um homem que, após ser abandonado pela namorada, decide escrever um roteiro para um filme. Um roteiro autoral. Através de seu notebook, vai esboçando os personagens desse filme no qual ele também é personagem. São duas famílias cujos filhos de 16 anos decidem se casar, o que gera conflitos e leva os personagens a se apresentarem para a câmera, como já havia feito o próprio Vincenzo no início do filme.

Em cada apresentação vamos conhecendo a peculiaridade de cada um e como essa peculiaridade o torna estranho para o mundo ou para sua própria família. Temos o adolescente que age como homem maduro, o pai que age como adolescente, a filha que acha que cheira mal por ser ruiva, a mãe preocupada com o próprio casamento, o marido que descobre estar com uma doença terminal.

Levados pelo despautério de casamento dos adolescentes e por um pequeno acidente, todos vão se cruzar num jantar e passarão a estabelecer laços de amizade, antipatia ou romance.

Não nos deixando esquecer que são todos personagens de seu roteiro, Vincenzo interfere pontualmente na narrativa, quebrando a fantasia e fragmentando as emoções, como se nos avisasse que a realidade não comporta toda aquela ficção e estranheza. Reforça sua perspectiva ficcional e desconstrói a relação autor/personagem ao interagir, fora do ambiente da ficção, com seus personagens, que cobram dele um melhor destino ou desenvolvimento.

Esse diálogo metalinguístico entre criador e criaturas desnuda a relação difícil de um escritor com seus personagens, mas também revela que a estranheza da vida é inata à sua normalidade.

Retomando a história de seus personagens a fim de arrematar a narrativa, Vincenzo (Salvatores?) busca uma amarração para todos. Nessa trajetória, manipula emoções com um romance enfeitado de clichês, reflete sobre a vida e a morte em uma viagem com ares quase metafísicos e condensa seu desfecho com a normalidade presente no estranho de cada indivíduo. A vida só é normal quando é estranha.

Com “Estranhos Normais”, Salvatores cria com suficiente graça cômica uma narrativa que só engrena depois que compreendemos e aceitamos seu dispositivo metalinguístico. Passada a estranheza inicial, embarcamos na fragmentada metáfora da vida e do absurdo, seduzidos por personagens que podem parecer distantes de nós num primeiro momento, mas que o filme, com competência e também artifícios, aproxima de nós. No final, se torna uma experiência prazerosa, divertida e estranha. Como a vida. Também ela sem qualquer compromisso com a realidade.
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