quinta-feira, agosto 04, 2011

Melancolia



Melancholia
Lars von Trier
Dinamarca/Suécia/França/Alemanha, 2011
136 min.

Entre as muitas belezas de “Melancolia” - novo filme do dinamarquês Lars von Trier que estreia nessa sexta (05) - a que mais me afeta é o enquadramento que mostra Justine (Kirsten Dunst) nua, deitada na relva, sob a luz de Melancolia. A imagem insinua uma tensão erótica improvável entre Justine e o planeta que vem em direção à Terra. Um planeta, de nome Melancolia, que parece exercer sobre Justine mais que uma simples fascinação ou influência de humores. Ele é seu desejo e seu reequilíbrio.

Entre a depressão profunda de Justine, o desnorteio de sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) e a insólita vinda de um planeta em direção à Terra, “Melancolia” se revela um filme sobre tristeza e serenidade. A serenidade que compreende que o fim da vida no planeta pode ser apenas o restabelecimento de uma ordem cósmica à qual a vida na Terra veio perturbar. Pois como diz Justine, a vida na Terra é má, e quando ela se for, ninguém sentirá falta.

O filme se divide em duas partes. Na primeira, intitulada “Justine”, temos a festa de casamento da própria Justine, bancada por John (Kiefer Sutherland), o rico marido de sua irmã, em uma grande propriedade afastada da cidade. O filme começa com uma aparente felicidade dos noivos, mas no desenrolar da noite, lentamente Justine começa a se distanciar de todos, revelando uma tristeza da qual não pode escapar. Diz se locomover com dificuldade, pois sente que fios de lã cinza se embaraçam em seus pés. Justine se afunda em depressão.

Na segunda parte, cujo título é “Claire”, temos a irmã de Justine perturbada pela aproximação do planeta Melancolia, enquanto a irmã regressa da clínica onde esteve internada em um estado de absoluta apatia, incapaz de sequer permanecer em pé sozinha. Claire, seu marido e o pequeno filho do casal, junto com Justine, vão esperar pela passagem do planeta na isolada propriedade. Apesar de seu marido garantir que não há chance de Melancolia colidir com a Terra, Claire permanecerá aflita com esta possibilidade.

Von Trier elabora seu filme a partir da tristeza inata, da aflição da tragédia iminente e da beleza que se pode extrair do insólito. 

“Melancolia” abre com imagens de encher os olhos, adiantando o que se verá no filme. Essas imagens dialogam com quadros conhecidos, não apenas pela composição de luz e enquadramento, mas pela lentidão dos movimentos, em uma câmera lenta que se aproxima da imobilidade. O claro tom onírico remete à aqueles pesadelos dos quais nos sentimos incapazes de escapar. É o prenuncio da angústia, que nos sufoca desde o início.

Justine (uma interpretação memorável de Kirsten Dunst) personifica a tristeza inevitável, a melancolia muitas vezes necessária para a serenidade. É claro que no cinema de Lars von Trier isso nunca se dará em tons amenos, por isso Justine vai ao fundo e só emerge de lá quando pressente o fim do que considera a maldade, a vida na Terra. Quando em seu casamento, muito antes de descer ao fundo da apatia depressiva, ela diz que sorri, sorri e sorri, como se sorrir fosse tudo que pudesse fazer diante da completa falta de sentido da vida, na verdade ela desmascara a hipocrisia do mundo, que apenas sorri, sorri e sorri para esconder sua tristeza ou maldade.

Claire (em interpretação não menos inspirada de Charlotte Gainsbourg) é a fachada, oposto de Justine. Claire representa as convenções, a necessidade da ordem do mundo. Por isso se perturba tanto com a proximidade de Melancolia e por isso se desespera tanto quando o fim se mostra inevitável. Sua ideia de como devem passar os últimos momentos da vida é ridícula e desmontada sem piedade por sua irmã Justine. É quando se revela a serenidade e aceitação de Justine. É quando ela demonstra compreender que o fim da vida na Terra é apenas a correção de um equívoco cometido pelo acaso. Pois não há vida em qualquer outro lugar do universo.

Atravessar “Melancolia” não é uma experiência pela qual seja simples passar. Lars von Trier nos leva a uma realidade onírica de imagens belíssimas. Imagens que muitas vezes nos provocam uma angústia e um desconforto sutil, mas intenso. Algo que nos incomoda na alma, para além do consciente. Essa perturbação cresce à medida que se aproxima o fim de tudo. E o desfecho nos arrasta, como uma sinfonia cósmica, esmagadora e devastadora, para uma cena final de tirar o fôlego. Como se o planeta Melancolia também nos tivesse atingido.
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