Na cidade britânica de Glasgow, um grupo de delinquentes é
condenado a prestar serviços comunitários. São jovens desajustados; ladrões,
beberrões e briguentos que orbitam a periferia entre drogas, álcool e pequenos
crimes. Entre eles, um jovem esquentado prestes a ser pai e perseguido por uma
gang violenta. Ao escapar por pouco de uma condenação de prisão, ele vê a
chance de mudar de vida, junto da namorada e do filho que está por nascer.
Autor de um cinema que frequentemente enfoca classes baixas
da sociedade britânica, Ken Loach cria, como já havia feito em À Procura de Eric (2009), uma trama
engendrada de forma a exibir o cerco difícil de escapar quando não se tem
oportunidades. Um círculo de violência e marginalização que passa de geração
para geração.
Em A Parte dos Anjos,
Loach revela esse círculo vicioso pelo tom da comédia, mas sem esquecer o peso
do drama. Para o diretor, a chave para sair desse ciclo hereditário está na
oportunidade oferecida, que no filme é personificada pelo supervisor do grupo
de serviços comunitário, o simpático Harry (John Henshaw).
A mudança que Harry provocará na vida desses jovens não virá
de nenhum grande esforço dramático de altruísmo. Surge tão somente de um simples
gesto de confiança e respeito, algo que esses jovens raramente recebem. Sem nada
de exagerado, fica tudo na simplicidade de uma mão estendida e uma eventual dose
de uísque para celebrar. É que Harry é um apreciador do destilado e costuma
frequentar destilarias para visitas de degustação.
Ao levar o grupo de jovens para uma dessas visitas, se
descobrirá em um deles o inesperado talento para a degustação, graças a um surpreendente
e sofisticado conjunto de olfato e paladar. Mas como talento não basta para romper
o ciclo de marginalidade, entra em ação um plano mirabolante para tentarem
recompor suas vidas em um novo começo.
Através dessa ação entre amigos, Loach destilará sutilmente
sua ironia e crítica social. Um grupo de jovens à margem e sem cultura que vai
expor, mesmo sem dar por isso, o ridículo de uma sociedade entronizada em ritos
elitistas.
No cerne dessa ação há uma revanche irônica que revela a
tolice e o vazio que há na valorização desmesurada daquilo que é supérfluo. Com
uma graça desembaraçada de qualquer pedantismo, o filme aponta seu dedo para
uma elite hedonista, mostrando o quanto o rei está nu.
Divertido, simples e sem embaraços artificiais, A Parte dos Anjos tem na sua
ingenuidade otimista uma beleza própria. É filme cuja trama flui naturalmente,
mostrando um roteiro livre de esquematizações e cujo desfecho até surpreende
pelo que tem de descomplicado e simpático.
Nas suas entrelinhas, a história não diz respeito apenas ao
uísque que se evapora como a parte que cabe aos anjos. Diz também da parte que
deveria caber a todos em uma sociedade, mas que nem sempre é partilhada de
forma justa ou honesta. É para reivindicar a parte que lhes cabe que os anjos renegados
de Loach existem.
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Ken Loach
Reino Unido/França/Bélgica/Itália, 2012
101 min.
Trailer
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