Os suspiros, os gemidos baixos, a respiração ofegante; o
farfalhar de um lençol, o som do manuseio da vagina úmida da protagonista;
todos estes sons, ruídos de intimidade ou não, fazem de Movimento Browniano um filme cuja textura quase nos toca. Ouvi-lo é
sentir a cena, é se deixar levar pelo tato do que se ouve e, sem tocar, quase
se sentir tocando. O efeito é aplicado com sensibilidade pelo filme,
concatenado com sua estética clean,
de ambientes iluminados e limpos numa assepsia contraditória. Assim como a
pele, os olhos, o riso e o distúrbio psicológico de Charlotte (Sandra Hüller).
Ela é uma médica que trabalha em uma pesquisa com novas
drogas para um grande laboratório. Casada com um engenheiro indiano, mãe de um
menino de 10 anos, parece feliz no casamento e na carreira. Mas coloca ambos em
risco ao levar para a cama de um quarto alugado alguns voluntários da pesquisa
que realiza. São homens que guardam algum traço incomum, como um nariz
esquisito, o corpo com muitos pelos ou a idade avançada.
O termo “movimento browniano” vem da física e, grosso modo, é o estudo do movimento
aleatório realizado por certas partículas em determinados meios. Como as
partículas em movimento e a própria ideia de aleatoriedade, Charlotte escolhe
seus parceiros anônimos pelo acaso, ainda que neles exista a semelhança pelo
estranho e incomum.
Dividido em três partes, na primeira etapa acompanhamos essa
rotina secreta da personagem. Suas aventuras de prazer com estranhos, sua
rotina de mãe e esposa, sua rotina de trabalho. Todas essas coisas se dão
dentro da normalidade. Não há, nos gestos ou no rosto de Charlotte, em nenhum
momento, algo que diferencie qualquer aspecto dessa rotina de uma normalidade
tranquila.
Do prazer com estranhos à leitura de uma história infantil para
o filho, tudo transcorre sem sobressaltos. Até que uma coincidência a
surpreende, e isso destrava um mecanismo que a desnorteia completamente, e seu
segredo é descoberto pelo marido.
Na segunda parte vem o tratamento. Na terceira, uma mudança.
Movimento Browniano
pode ser uma antítese da crise conjugal como a conhecemos. No lugar dos
diálogos insistentes, de discussões ou explicações exasperadas, o que temos é o
silêncio, que ocupa a maior parte do filme. Mas o pouco dito não significa
ausência de significados ou de sentidos.
A beleza do filme se encontra em seu mistério. Na forma
quieta como transcorre sua trama, na observação do movimento de Charlotte. Está
numa certa incompreensão de sua natureza e na forma como mesmo sem diálogos compreendemos
os sentimentos dos personagens, mesmo quando imersos em grande confusão.
Se respostas ficam abertas, se a dúvida ou a imprecisão ficam
como resultado do filme, vale lembrar da necessidade que deveríamos ter hoje –
em dias de um cinema mastigado ao limite da estupidez – de reaprender a sair da
sessão sem certezas. A ausência de respostas não deve ser problema, apenas a
preguiça de tentar desvendá-las deveria ser. Neste sentido, Movimento Browniano arrisca-se, sai da
mesmice e pode desagradar ou frustrar. Mas para quem ainda tem coragem e gosto,
fica o desafio e o prazer de se sentir desafiado.
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Brownian Movement
Nanouk Leopold
Holanda, 2010
97 min.
Trailer
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