domingo, janeiro 20, 2013

Django Livre






Mais uma vez, Quentin Tarantino veste a roupagem que lhe atribuíram e faz o papel desse diretor brilhante que mistura referências e influências num cozido de qualidade cheio de estilo. Acontece, porém, que, em Django Livre, embora esta roupagem ainda lhe sirva, o tal papel de diretor brilhante já não parece se encaixar tão bem. Estaria Tarantino começando a ficar nu?

O fato é que, desde sua estreia com Cães de Aluguel (1992), o diretor vem incorporando a seus filmes suas referências de cinéfilo e de profundo conhecedor da cultura pulp. E faz isso sempre muito bem.

No entanto, ao acreditar mais na roupagem que veste do que no velho bom senso, talvez o diretor esteja no caminho de perder a mão. E o primeiro sinal disso está, de cara, na duração de seu novo filme: 165 minutos. Uma duração bastante desnecessária.

Em Django Livre, Tarantino presta sua homenagem ao gênero que ficou conhecido como western spaghetti. Esses westerns eram produções europeias (geralmente Itália e Espanha) que de meados de anos 60 até início dos 70 emulavam o western americano, que na época já vinha em decadência em sua terra natal, mas ainda era muito popular na Europa. Apesar de serem em geral produções de baixo orçamento, nas mãos de alguns diretores esses filmes quebraram diversos paradigmas do gênero e criaram toda uma nova mitologia para seus personagens.

É dessa fonte que bebe Tarantino, em um filme cheio de problemas, a começar pelo roteiro.

Qualquer um que tenha visto o trailer sabe toda a história. Caçador de recompensas liberta escravo negro que quer resgatar sua esposa e se vingar. Mas não é essa simplicidade o problema, já que esse fio de história é apenas pretexto para os artifícios de gênero e da trama que Tarantino gosta de compor. O diretor sempre foi bem ao costurar histórias que misturam elementos, com personagens e situações que em princípio parecem díspares e difíceis de concatenar em uma narrativa coesa. Em Django Livre essa fórmula ainda funciona, mas com uma fragilidade muito maior do que se podia esperar.

Na sua longa duração, o filme não consegue se manter tenso e coeso como em outros trabalhos do diretor. Mesmo a motivação da vingança, tema recorrente na sua obra, perde sua força ao longo da projeção. Nesse quesito, Tarantino parece oscilar entre a sua tradicional construção do nêmesis implacável – como a Noiva do díptico Kill Bill ou a oportuna vingança de Shosanna em Bastardos Inglórios – e a força do mito alemão do herói Siegfried. Esta oscilação tira força de ambas vertentes, ainda que a segunda resulte em uma das melhores cenas do filme, quando à luz de uma fogueira, diante de uma rocha e com sutilíssimo jogo de sombras, conta-se a lenda nórdica de Siegfried e Brunhild.

Django Livre também se mostra falho na coerência dos personagens. Em especial na construção fragmentada do protagonista vivido por Jamie Foxx. Ainda que o ator negro e o austríaco Christoph Waltz (que vive o caçador de recompensas que liberta Django) estejam ótimos em seus papeis, em alguns momentos chaves estes personagens executam ações que fere gravemente a lógica interna do filme e o modo como eles mesmos foram desenhados ao longo da narrativa.

Já o cozido que Tarantino faz, de drama ambientado no sul escravocrata norte-americano dois anos antes da Guerra Civil e montado com tipos do western spaghetti, é interessante e rende um ótimo caldo. Nessa mistura improvável, sem qualquer vínculo que a realidade histórica do período, reside o que de melhor há em um filme “tarantinesco”. Assim como a também improvável e historicamente inexistente luta de mandingos, que o diretor extrai de outro gênero de filme dos anos 70, o blaxploitation.

Mas ainda que toda essa mistura faça parte da marca de seu cinema, há exageros que fazem do filme uma experiência irregular, chegando perto do cansativo.

Esses exageros fazem-se sentir – na verdade são amplificados – na duração do filme. Especialmente na segunda metade, quase toda ela voltada para a trama que se inicia com a entrada do personagem de Leonardo DiCaprio na história. É na tentativa de criar uma atmosfera de tensão, pontuada por traços sutis de desequilíbrio no personagem de DiCaprio (onde o exagero mais se configura em algumas cenas) que o filme se mostra mais fragilizado, alternando bons e maus momentos. Exemplo disso é uma sequência toda falada em alemão, em que se pretende uma expectativa crescente e que simplesmente não funciona, levando a um desfecho simplesmente trivial. E trivial é justamente o que não se espera de um filme de Tarantino.

Tudo isso, porém, não faz de Django Livre um filme ruim. Seus momentos de brilho são dignos da filmografia de Tarantino, como uma divertida cena protagonizada por brancos mascarados na qual a situação remete ao melhor da comédia do grupo britânico Monty Python. Há também os tradicionais diálogos improváveis, que na boca dos personagens de Tarantino revelam uma presença de espírito fascinante. Já a trilha sonora segue o de sempre, um cuidado primoroso na seleção de temas musicais excelentes, da primeira à última incidência.

Entre problemas e acertos, o que convém destacar é que os acertos são sempre esperados, tendo-se em conta a carreira notável que Tarantino vem fazendo como diretor. Mas quando equívocos despontam de diversos aspectos do filme, como ocorre com Django Livre, isso pode ser sinal de uma pretensão exagerada do diretor, que passa a crer demais em si mesmo e nos elogios rasgados com os quais deve ter se habituado. O resultado é um filme ainda muito bom, mas que mostra um perceptível declínio e uma preocupante autocongratulação.
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Django Unchained
Quentin Tarantino
EUA, 2012
165 min.

Trailer

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