Mais uma vez, Quentin Tarantino veste a roupagem que lhe atribuíram
e faz o papel desse diretor brilhante que mistura referências e influências num
cozido de qualidade cheio de estilo. Acontece, porém, que, em Django Livre, embora esta roupagem ainda lhe sirva, o tal papel de diretor brilhante já não parece se encaixar tão bem. Estaria
Tarantino começando a ficar nu?

No entanto, ao acreditar mais na roupagem que veste do que no velho bom senso, talvez o diretor esteja no caminho de perder a mão. E o primeiro sinal disso está, de cara, na duração de seu novo filme: 165 minutos. Uma duração bastante desnecessária.
Em Django Livre, Tarantino
presta sua homenagem ao gênero que ficou conhecido como western spaghetti. Esses westerns
eram produções europeias (geralmente Itália e Espanha) que de meados de anos
60 até início dos 70 emulavam o western
americano, que na época já vinha em decadência em sua terra natal, mas ainda
era muito popular na Europa. Apesar de serem em geral produções de baixo
orçamento, nas mãos de alguns diretores esses filmes quebraram diversos
paradigmas do gênero e criaram toda uma nova mitologia para seus personagens.

Qualquer um que tenha visto o trailer sabe toda a história. Caçador de recompensas liberta escravo negro que quer resgatar sua esposa e se vingar. Mas não é essa simplicidade o problema, já que esse fio de história é apenas pretexto para os artifícios de gênero e da trama que Tarantino gosta de compor. O diretor sempre foi bem ao costurar histórias que misturam elementos, com personagens e situações que em princípio parecem díspares e difíceis de concatenar em uma narrativa coesa. Em Django Livre essa fórmula ainda funciona, mas com uma fragilidade muito maior do que se podia esperar.
Na sua longa duração, o filme não consegue se manter tenso e
coeso como em outros trabalhos do diretor. Mesmo a motivação da vingança,
tema recorrente na sua obra, perde sua força ao longo da projeção. Nesse quesito, Tarantino parece oscilar entre a sua tradicional construção do nêmesis implacável
– como a Noiva do díptico Kill Bill
ou a oportuna vingança de Shosanna em Bastardos
Inglórios – e a força do mito alemão do herói Siegfried. Esta oscilação
tira força de ambas vertentes, ainda que a segunda resulte em uma das melhores
cenas do filme, quando à luz de uma fogueira, diante de uma rocha e com
sutilíssimo jogo de sombras, conta-se a lenda nórdica de Siegfried e Brunhild.

Já o cozido que Tarantino faz, de drama ambientado no sul
escravocrata norte-americano dois anos antes da Guerra Civil e montado
com tipos do western spaghetti, é
interessante e rende um ótimo caldo. Nessa mistura improvável, sem qualquer vínculo que a realidade histórica do período, reside o que de melhor há em um filme “tarantinesco”. Assim como a também improvável e historicamente inexistente luta de mandingos, que o diretor extrai de outro gênero de filme dos anos 70, o blaxploitation.
Mas ainda que toda essa mistura faça parte da marca de seu cinema, há exageros que fazem do filme uma experiência irregular, chegando perto do cansativo.
Mas ainda que toda essa mistura faça parte da marca de seu cinema, há exageros que fazem do filme uma experiência irregular, chegando perto do cansativo.

Tudo isso, porém, não faz de Django Livre um filme ruim. Seus momentos de brilho são dignos da
filmografia de Tarantino, como uma divertida cena protagonizada por brancos mascarados
na qual a situação remete ao melhor da comédia do grupo britânico Monty Python.
Há também os tradicionais diálogos improváveis, que na boca dos personagens de
Tarantino revelam uma presença de espírito fascinante. Já a trilha sonora segue
o de sempre, um cuidado primoroso na seleção de temas musicais excelentes, da
primeira à última incidência.

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Django Unchained
Quentin Tarantino
EUA, 2012
165 min.
Trailer
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