sexta-feira, julho 13, 2012

Na Estrada


Não é possível explicar em palavras o que On the Road, romance de Jack Kerouac publicado em 1957, representou para as gerações dos anos que se seguiram à sua publicação. Hoje, uma pálida ideia pode ser tirada lendo-se o livro. Para mais do que isso seria necessário voltar no tempo e vivê-lo novamente: o tempo em que se viveu a juventude e a liberdade de uma forma nunca vivida até então. Qualquer coisa diferente disso é apenas história.

Considerado a bíblia da geração beatnik – uma geração que mudou comportamentos, pregou a liberdade plena de se viver e experimentar a vida e que tem seus efeitos presentes, mesmo muito diluídos, até a juventude atual –, o livro marcou a vida de muita gente, influenciou artistas, revolucionou perspectivas e plantou a semente do espírito libertário e rebelde das juventudes dos anos 60.

Por tudo isso, uma adaptação da obra para o cinema não apenas gerou grande expectativa, mas também apreensão. Transpor para as telas o que o livro simplesmente transpira em sua narrativa frenética e contundente não seria tarefa fácil. Não por acaso o projeto existe desde sua publicação, tendo fracassado em todas as tentativas.

Coube ao diretor brasileiro Walter Salles a tarefa de finalmente fazer o filme virar realidade. Uma tarefa que, como ele mesmo admite, aceitou com muito receio. O resultado chega aos cinemas brasileiros neste final de semana. E o que se pode dizer de Na Estrada é que se trata de um filme muito correto. Correto até demais.

Sam Riley (de Control, no qual interpreta o problemático vocalista do Joy Division, Ian Curtis) é Sal Paradise, o jovem escritor que empreende uma longa viagem através do país. Boa parte desta viagem é feita na companhia de seu amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de Tron: O Legado) e Marylou (Kristen Stewart, a Bella Swan da Saga Crepúsculo), a namorada de Dean.

No elenco do filme, outros nomes de destaque dão vida aos personagens que Kerouac descreveu em seu livro. Nomes como Kirsten Dunst (de Melancolia), Amy Adams (de O Vencedor), Viggo Mortensen (de O Senhor dos Anéis), Steve Buscemi (da série televisiva Boardwalk Empire) e a brasileira Alice Braga (de O Ritual e Eu Sou a Lenda).

Porém, apesar do elenco de primeira, Na Estrada deixa a desejar. Isso porque em uma adaptação de um livro tão seminal e vivo tudo que não poderia faltar é justamente aquilo que mais transborda do livro: alma.

Em sua versão de On The Road, Walter Salles faz tudo certo. Tem um bom roteiro (entre tantos que poderiam nascer a partir do livro), tem atores dedicados que a seus papéis que atuam muito bem, tem uma fotografia inspirada que acerta por não forçar uma atmosfera de época, filtrando uma bem dosada ressonância do final dos anos 40.

Mas tudo isso, ajeitado na tela, num ritmo às vezes irregular, parece não ganhar vida suficiente no decorrer dos 137 minutos de filme. É como se Walter Salles fosse um diretor “correto” demais para filmar uma história que, apesar de não ser necessariamente suja, traz no seu caráter orgânico e nas experiências dos seus personagens uma inequívoca rejeição ao convencional e quadrado. Uma rejeição ao correto.

Como road movie, falta em Na Estrada um pouco da aventura incerta, da aspereza do caminho, da dureza de se cruzar o país mais de uma vez, de se virar com trocados. Essa vida de estrada, na qual viveu Sal Paradise, certamente é bem mais melancólica e difícil do que a mostrada no filme.

Há, na construção que o filme faz dessa vida de estrada, um verniz poético que está de acordo com o livro, mas que por elipses de tempo enfeita demais um caminho que foi árido e sujo. A falta de desafios nessa jornada está entre os elementos que “limpam” demais a experiência do filme.

Mais do que tudo, falta em Na Estrada uma fagulha que ascenda nas imagens o espírito do livro. Não sua literalidade, mas sua alma. Algo intangível que amarre as belas imagens e as ótimas atuações em algo maior do que belas imagens e ótimas atuações.

Na Estrada é, efetivamente, um filme bom. Mostra-se capaz de suscitar emoções, sentimentos e de causar identificação com seus personagens. Apresenta-se até muito bem como catarse de uma América cujo sonho morreu. Mas ser apenas bom é pouco para um filme que se propõe traduzir em imagens um livro que foi ao mesmo tempo profecia e espírito de um tempo. Melhor seria um filme “menos bom” e mais coberto de poeira, uísque e vida.
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On the Road
Walter Salles
França/Reino Unido/EUA/Brasil, 2012
137 min.

Trailer

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