The Descendants
Alexander
Payne
EUA, 2011
115 min.
O diretor americano Alexander Payne costuma desdobrar o
drama de seus personagens com um humor peculiar entre o riso e o desconforto. Em
seus filmes, muitas vezes não sabemos ao certo se devemos rir ou permanecer
sérios. Isso porque Payne desconstrói o drama pesado com o ridículo a que todos
estamos sujeitos. Percebemos, então, que ser ridículo é uma condição inata ao
ser humano, mesmo diante dos dramas mais pesados da vida.
Foi assim em Sideways
– Entre Umas e Outras e As Confissões
de Schmidt, trabalhos nos quais o diretor vinha apurando seu estilo e sua abordagem
do drama. Agora, em Os Descendentes,
ele atinge o ponto de maior refinamento de seu cinema. E, assim como havia
feito com Paul Giamatti e Jack Nicholson antes, arranca de George Clooney uma
atuação impressionante, arrebatadora e comovente.
Clooney é Matt King, um advogado nascido e criado no Havaí.
Sua esposa, uma praticante de esportes radicais, está em coma devido a um
acidente de lancha. Como o próprio Matt admite, ele nunca foi um pai dos mais exemplares
e por isso tem dificuldades em lidar sozinho com suas duas filhas, de 10 e 17
anos. Além disso, ele está envolvido com uma delicada questão de herança
familiar.
Matt é o depositário de uma grande quantidade de terras no
litoral do Havaí, que herdou, junto com uma dezena de primos, de ancestrais da
nobreza havaiana. Agora, ele e os primos precisam chegar a um acordo sobre como
vendê-las para um grande empreendimento turístico, decisão extremamente
impopular na região e acompanhada pelos jornais.
É em meio a essa tormenta de preocupações que Matt vai
descobrir que sua esposa o estava traindo, o que vai terminar de virar sua vida
de cabeça para baixo.
Em Os Descendentes,
os olhos marejados e o sorriso nos lábios podem conviver perfeitamente. Nenhum
dos dois virá em avalanche, mas podem vir ao mesmo tempo. Há na construção do
drama um equilíbrio perfeito, cheio de uma delicadeza espontânea, que nos
coloca sob a força do sentimento pungente de perda e a realidade de sua
absorção, que não exclui o cômico e o inusitado.
Para dar conta deste equilíbrio, George Clooney se supera
como o sujeito que não tem controle sobre nada. Toda sua vida parece estar
sendo arrastada lentamente por um torvelinho de acontecimentos além de seu
controle. Mesmo nas coisas sob seu comando, a sensação é de que não conduz.
Esta sensação de desnorteio se torna cômica em seu postura, algo como uma mal
disfarçada inabilidade em lidar com os problemas e o esforço discreto em não
deixar isso transparecer.
É esta característica absolutamente humana que faz do
personagem de Clooney uma figura que nos comove profundamente, ainda que o
ridículo perpasse todo o tempo seus gestos e postura. E é justamente desse
quase ridículo que vem sua humanidade, aquilo que nos conecta e faz sentir por
ele tanta compaixão.
Payne conduz sua história, baseada no romance homônimo da escritora havaiana Kaui
Hart Hemmings, com grande habilidade. Tudo funciona. O filme tem ritmo e
intensidade sem sobressaltos. É cinema simples, que da simplicidade extrai a
grandeza da vida, com suas emoções e gestos humanos. Ao tatear os limites entre
o drama e o cômico, despertando o patético no ser humano, mostra uma
competência absoluta em explorar tais limites e nos lança para dentro de uma
trama primorosamente construída.
Os
Descendentes concorre ao Oscar de melhor filme. Vencer ou não
uma premiação que pouco ou nada tem de artística é o que menos importa. O que
deve ficar é a riqueza de sua construção, a beleza das atuações de um elenco
afinado e a graça contida nas lágrimas de seu drama comovente e sincero.
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