A “Nouvelle Vague” de Godard e Truffaut respira
tranquilamente em Frances Ha. Mais do
que respira, convive. Nem a força de sua clara deferência sufoca o filme, nem o
filme, com sua espontânea desenvoltura, sufoca aquilo a que remete. Nesta
relação, há como que uma troca, uma renovação articulada e independente que tem
assinatura, corpo, ritmo e vontade própria.
Esta convivência se estabelece não apenas pela fotografia em
preto e branco que remete ao movimento francês dos anos 60. Nem apenas pela
furtiva Paris, cidade quase aparição no filme, passageira tão expressa quanto uma
viagem fugaz, quanto uma incontingência nos rumos de Frances (Greta Gerwig), esta
personagem tão real quanto improvável.
É também o deslocamento dos elementos do filme, a trilha
inesperada, a dança inesperada, a queda inesperada e uma certa ausência de
noção em gestos e palavras. São pequenos desencaixes, pequenas rupturas no
tecido do filme que se perderiam na referência estéril se não tivessem um
propósito estético e narrativo bem condensado e uma atriz iluminada como Greta.
Frances é essa menina já nem tão menina que representa a
vida sendo vivida. Daí uma realidade que gera automática identificação com o
real, com perdão da redundância. Espécie de dançarina de segundo escalão em uma
companhia de dança, ela almeja ascender, conquistar seu espaço. Não só no
palco. Pois tem o aluguel, o espaço físico que durante o filme será, na sua
alternância, representação da alternância imprecisa de rumo na vida dela.
Nestas alternâncias, alimentam-se os sonhos: ser aquilo que
se deseja ser, obter sucesso, reconhecimento. Mas têm também as contas, o
aluguel, a incerteza do trabalho, o desejo de encontrar alguém para se
apaixonar, a amizade ponta firme que não é invulnerável a abalos. As mudanças e
o tempo que são sempre incessantes.
Esta personagem encantadora converte-se então em um estado
de juventude. Apresenta-se com menos daquele brilho de glamour artificial que o
cinema costuma atribuir à juventude e muito mais assentada no brilho espontâneo
de sê-lo com a dureza do cotidiano.
No improvável, cria-se esta personagem que dança, quer
dançar, que muda-se, desloca-se e se perde sem perder a essência. Uma Frances sem
amargor quando fracassa, que aprende durante o filme o que se aprende durante a
vida.
Mantendo sempre um diálogo sem sustos com a “Nouvelle Vague”,
Frances Ha livra-se de qualquer
rótulo. Passa ao largo do cinema comercial ao mesmo tempo que se diferencia – em
oxigênio e criatividade – do cinema independente contemporâneo e seus
maneirismos à beira do clichê.
Noah Baumbach, diretor que também assina o roteiro ao lado
de Greta Gerwig, mostra com este filme uma disposição incomum em fazer cinema
com a mesma liberdade e espontaneidade que, décadas atrás, uns certos críticos
da revista “Cahiers du Cinema” fizeram. Mas aqui há bem menos ruptura e muito
mais harmonia. Uma condensação de linguagens, o novo e o velho, quase sem perdas
na tradução e com um vigor que não se impõe, apenas frui.
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Frances Ha
Noah Baumbach
EUA, 2012
86 min.
Trailer*
(*) Com legendas, aqui