Parte do conflito sobre o qual se apoia Jauja, filme do argentino Lisandro Alonso, se estabelece logo no
primeiro plano. A janela escolhida pelo diretor, de formato quadrado e cantos
arredondados, causa estranheza. Não apenas porque está em desuso, mas
principalmente pelo modo como ela restringe a amplitude da paisagem, notadamente
imensa.
Este formato – que remete ao início do cinema, às
fotografias antigas e, para os mais jovens, às fotos no Instagram – será o
limitador da vastidão que acompanha a narrativa e envolve os personagens. O
conflito está na sensação de aprisionamento que esta janela impõe à paisagem,
como se ali existisse uma permanente medição de forças entre a imensidão que
quer extravasar o quadro e a determinação do quadro em contê-la.
Um embate que, de uma maneira diversa, também será vivenciado
pelo engenheiro militar dinamarquês Gunnar Dinesen (Viggo Mortensen). Na
Argentina do século 19, na desértica região da Patagônia, ele e sua filha de 15
anos, Ingeborg (Viilbjørk Malling Agger), iniciam o filme com um diálogo
inocente. Falam sobre um cão que ele promete comprar para ela quando
regressarem à Dinamarca.
Gunnar está incumbido de supervisionar uma escavação, mas
isso só se saberá depois, quando sua filha já tiver sido levada. Antes disso, o embate entre o homem educado e a terra selvagem ganhará os primeiros
contornos no contato com os outros homens do grupo. Um desconforto presente no
modo como um deles corteja sua filha e no tom desumano com que se refere aos habitantes
primitivos da região.
Os diálogos precisos no início ajudam a dar o tom de deslocamento que ocupará quase todo o restante da narrativa, quando o engenheiro inicia sua
busca desesperada pela filha.
A terra inóspita, o deserto amplo, a perseguição obstinada, a
selvageria aparente dos nativos e o homem civilizado em seu dólmã militar
remetem imediatamente a um clássico do cinema: Rastros de Ódio (The Searchers, 1956), de John Ford, que mostra uma
situação similar. Ambos trazem, sob perspectivas diferentes, uma representação
do homem “branco” imiscuído em terras – e povos e culturas – estranhas, onde
não são bem-vindos.
Lisandro, porém, não segue caminhos objetivos. Está mais
interessado em outros níveis dessa relação entre conquistado e conquistador.
Mas não de forma fácil.
O grande confronto do protagonista será com a paisagem, mais
do que com a selvageria. Há ali uma beleza passivamente agressiva, de horizonte
largo, sempre restringido pela tela. Em uma das mais belas cenas do filme, vemos
Gunnar ser engolido pela noite e pelo céu de estrelas quando se deita sobre uma
pedra. Ele é o elemento que será completamente absorvido pela imensidão do
deserto, por tudo que ele tem de árido e também de onírico.
Não há exatamente um roteiro ou uma trama. Há apenas o homem e a natureza. O
registro é quase documental, realista na forma, na fotografia e no modo de
seguir o personagem. Mas nunca se aproxima o suficiente, nunca delineia seu
caráter ou nuanças de seu perfil.
O que o filme constrói é menos uma narrativa e mais uma
travessia em que as camadas do real se transformam, se subvertem, perdem seus
contornos sem que o registro mude, sem que haja qualquer indicação de alternância
do espaço-tempo. Isso só fica evidente em uma ruptura final, totalmente
desconexa do que se via até então. Essa mudança traz dezenas de perguntas que
abrem caminhos para múltiplas interpretações. Cabe ao espectador criar a sua.
Sair de um filme com dúvidas é algo que o massivo cinema
comercial nos fez desaprender. A segurança de uma compreensão plena e mastigada
da narrativa se transformou em uma satisfação de consumo. Jauja não vai atender a essa satisfação. Qualquer certeza que se
crie que pode ser facilmente esmagada. Da mesma forma que o quadro do filme esmaga a
paisagem e a paisagem esmaga seu intruso personagem.
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Jauja
Lisandro Alonso
Argentina/Dinamarca/França/México/EUA/Alemanha/Brasil/Holanda, 2014
109 min.
Trailer