J. Edgar
Clint Eastwood
EUA, 2011
137 min.
J. Edgar, novo trabalho
de Clint Eastwood na direção, é um filme amargo. Não há pompas e
grandiloquências no retrato que Clint traça do homem que praticamente fundou o
FBI (Federal Bureau of Investigation) e o administrou por 48 anos. Mas há
força. A força de um homem implacável, determinado, e ao mesmo tempo frágil.
Mas de uma fragilidade oblíqua, jamais a incapacitá-lo de fazer o que achava
que devia fazer.
O FBI é a mais organizada e exemplar polícia do mundo.
Subordinada ao Departamento de Justiça americano, foi criada em 1935, quando J.
Edgar Hoover dirigia o braço do departamento responsável pela investigação de
crimes federais. Eram os anos do crime nos EUA, a década da depressão, da lei
seca e de criminosos que exerciam grande fascínio na população, desalentada com
as instituições oficiais.
Um tempo em que nomes como John Dillinger, Pretty Boy Floyd,
Kate "Ma" Barker, Alvin "Creepy" Karpis, George
"Machine Gun" Kelly e Baby Face Nelson tinham seus feitos noticiados,
e não raramente aumentados, pelos jornais. Todos eles foram presos ou mortos
pelo FBI sob o comando de Hoover.
No filme, sua história é construída em flashback. Leonardo
Di Caprio, sob uma convincente maquiagem de envelhecimento, interpreta J. Edgar.
Ele começa a ditar sua autobiografia para agentes escolhidos a dedo para a
tarefa de registrarem seu legado. Quer contar a história do FBI e sua própria
história. Entre relatos e lembranças (nem todas ditadas), regressa até o ano de
1919, quando era um jovem agente do Departamento de Justiça designado para
investigar atentados comunistas contra membros do departamento.
Já em suas falas iniciais, na voz off que abre o filme,
demarca seu terreno ideológico; patriotismo inflexível e uma irremovível
aversão à desordem, ao comunismo e a qualquer ideal liberal que, no seu
julgamento, ameace a integridade e o caráter dos Estados Unidos da América.
Esta será a coerência de sua vida, pela qual fará o que for preciso para manter
seu país seguro. Metódico e minucioso, deve-se a Hoover o uso da ciência na
investigação criminal, usada hoje por polícias do mundo todo.
É nesses termos que Clint desenha Hoover, mas constrói esse
mito dentro de uma amarga permanência no poder. Essa amargura não surge como
consequência desse poder ou de suas ações, nem de uma solidão inerente à
função, mas de uma característica própria do homem cujo histórico guarda um amplo
leque de chantagens e perseguições. O poderoso diretor do FBI que se sustentou
no poder “atravessando” oito presidentes. Sua amargura vem dessa permanência,
sustentada por chantagens e intimidações, por suas disfunções afetivas na
dependência materna, figura que é a base de sua sustentação, mas também a
repreensora velada de sua natureza íntima: a homossexualidade.
A abertura sem vírgulas dessa sua característica pode ser a
grande polêmica do filme, rechaçada por seus defensores, vista como uma
desonra. Clint intensifica esse aspecto de seu personagem e o filme não faz
concessões a qualquer dúvida quanto a isso. Mas em momento algum faz disso
matéria de julgamento moral. No entanto, apesar da posição que ocupava e dos
anos em que viveu, sua sexualidade não é fator determinante para a construção
de seu caráter, de seus resentimentos e de sua postura ideológica.
Com o talento e a sensibilidade de sempre, Clint trabalha
isso na esfera da complexidade humana, no modo como J. Edgar se deixa ou não
afetar. Mas não passa em branco seu relacionamento de uma vida inteira com
Clyde Tolson (Armie Hammer), que foi seu braço direito no FBI por todo o tempo
que permaneceu à frente do bureau.
Sem qualquer demérito pelo que construiu, a figura de J.
Edgar não é enaltecida pelo filme, que não ameniza em nada sua crueldade, seus
preconceitos e sua luta contra o que considerava ameaças a si e ao país. De
Caprio incorpora com competência esta personalidade que nunca foi ambígua na
determinação de passar por sobre qualquer coisa que estivesse em seu caminho.
Suas convicções sempre foram claras e sua postura muito bem definida.
Sem enfeites, J. Edgar
é um filme honesto, desburocratizado e eficiente. Não busca um retrato
histórico acrítico, mas um retrato em perspectiva de uma figura cujo valor como
homem e cidadão pode ter mais de uma faceta. Vai da vilania à determinação pelo
dever, mas não assa pela coragem. Para além do bem e do mal, Hoover é
construído por Clint como um homem que teve na amargura das convicções o
tempero de toda sua vida. Foi grande e pequeno ao mesmo tempo. E deixou, sim,
um legado. Mas um legado manchado por ações covardes e indefensáveis.
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