Logo na primeira cena, o caráter da protagonista de A Lição ganha um contorno nítido e
sublinhado. A sólida e veemente austeridade com que reage diante de uma
acusação de roubo na sala de aula onde leciona inglês não deixa dúvida sobre
sua rigidez moral. Mais do que o exemplo a ser transmitido para a classe, vemos
que sua indignação é autêntica. Um roubo, dentro dos seus valores pessoais, é
algo absolutamente inaceitável.
A construção desse pilar moral na forma de uma professora de
ensino médio será reforçada no semblante sempre duro e nos passos firmes,
sonoros, ritmados por um caminhar obstinado. E também pelo contraste entre ela
e toda a iniquidade com que vai deparar ao longo do filme. A começar pelo
marido.
Um dia, ao voltar do trabalho, descobre que está a três dias
de perder sua casa. As prestações não foram pagas. O marido, desempregado, a
quem ela confiava o dinheiro, gastou com outras coisas. Eles e a filha de
quatro anos serão despejados.
Começa aí uma descida em espiral ao inferno para tentar
conseguir reverter a situação. Cada volta dessa trajetória colocará a
professora – e seus princípios – diante de níveis crescentes de sordidez, fraqueza
moral, corrupção, leviandade e desespero. Gradativamente, a estrutura sólida
dessa mulher-pilar vai receber bombardeios que desafiarão sua resistência e
colocarão em xeque a retidão de seu caráter.
O peso desse drama e das convicções abaladas estará presente
na fisicalidade da personagem, muito mais do que nos diálogos. Como quando ela
se vê obrigada a percorrer a pé vários quilômetros até sua casa. A exaustão da
caminhada – assim como a exaustão de sua jornada para não perder a casa e a
exaustão de se manter correta frente a tanta corrupção e indolência – estará
inteiramente representada no caminhar dessa cena. A forma como a outrora obstinação,
o passo firme e a postura altiva dão lugar a um andar manco, curvado e incerto,
formam uma comovente metáfora do espírito da professora naquele momento.
Ao mesmo tempo que revela a força do desespero no declínio
das convicções do caráter, A Lição
traz também um retrato crítico da burocracia do estado, da ineficiência de seus
instrumentos e da contaminação de suas estruturas pela ação corrupta e marginal
de seus agentes. Acima de tudo, mostra o desamparo do cidadão diante de uma
situação anacrônica, que muitas vezes resvala no kafkiano.
Ao encerrar seu ciclo de volta à sala de aula em uma cena
final desconcertante, A Lição se
revela um filme que desconstrói visões maniqueístas e coloca os princípios éticos em uma dúvida fundamental. Não se
trata de justificar desvios morais, mas de mostrar que por trás de cada gesto
torto pode existir mais complexidade do que a simples falta de caráter.
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Urok
Kristina Grozeva e Petar Valchanov
Bulgária/Grécia, 2014
105 min.
Trailer