O grande achado de Jorge Furtado em seu novo filme não é apenas a fina ironia que se costura na tela, mas principalmente o modo como esta ironia revela a espantosa atualidade de uma peça de teatro escrita no século 17, encenada pela primeira vez na Londres de 1626.
Escrita pelo dramaturgo inglês Ben Jonson (1572-1637), a
peça faz uma crítica aguda e irônica a uma novidade que começava a surgir naquele
tempo: os primeiros jornais.
É a partir do texto de Jonson que Furtado costura seu
documentário, entrelaçando trechos de uma montagem da peça - feita
exclusivamente para o filme - e entrevistas com 13 jornalistas renomados. O
assunto das entrevistas é o jornalismo, sempre sob o viés de seus vícios
inerentes, mecanismos obscuros e desvios de princípios.
Mas a opção de traçar um paralelo entre uma obra de quase
400 anos e a realidade do jornalismo vai além do espanto causado pela pertinência
que a peça sustenta até os dias de hoje. O fino desta sutileza está no
intrínseco arranjo entre o que há de real nas entrevistas e o que há de ficção
na representação da peça. Porque é justamente a ficção dentro do noticiário a
questão mais contundente abordada em O
Mercado de Notícias.
A matéria afirmava que o quadro era autêntico. Tratava-se, contudo,
de um pôster, desses que se compra por US$ 20,00 na loja do Museu Metropolitan,
em Nova York, onde está o quadro verdadeiro. O tamanho e a gravidade do erro
levam, inevitavelmente, à pergunta: engano ou má fé?
Este e outros casos de “erros” mostrados pelo documentário
revelam não apenas o que eles podem ter de má apuração jornalística, mas o que
talvez tenham de ficção deliberada, publicada com a intenção de semear no
leitor uma ideia. No caso do falso Picasso, reforçar no leitor a ideia de uma
generalizada ignorância e desconhecimento de arte em todos os níveis do
governo, reflexo de se ter na presidência um ignorante mal alfabetizado - no
caso, o presidente Lula.
A partir deste viés “ficcional”, O Mercado de Notícias revela com inteligência e sofisticação o que
de mais grave ocorre (talvez com mais frequência do que imaginemos) nos
chamados veículos de imprensa. Justamente aqueles que têm (ou deveriam ter)
como princípio pétreo a reprodução da verdade e do factual.
Porém, mesmo esta costura bem executa não impede que boa
parte do filme gire em torno de mais do mesmo. É que os depoimentos dos
entrevistados, em sua maior parte, trazem as mesmas questões de sempre e as
mesmas observações de sempre quando se coloca a imprensa no divã.
Algumas dessas questões são desde sempre inerentes ao
jornalismo, como a utopia da imparcialidade e a sempre relativa verdade. Outras
questões nascem da crise desencadeada pela era digital, como os novos meios de
se consumir notícia e o surgimento dos blogs jornalísticos. Em quase todas as abordagens,
nada de realmente novo é dito.
Mesmo assim, o espectador poderá se surpreender com o que de
mais claro o filme constrói, que é um tipo de cinismo que permeia, quase que
obrigatoriamente, o exercício da profissão de jornalista. O que fica evidente
tanto na peça do século 17 quanto em boa parte dos depoimentos.
Independente do novo ou do velho que traga o filme, a
honestidade com que Jorge Furtado mergulha no assunto já é mérito mais que o
suficiente para assisti-lo. Esta honestidade e este mergulho extrapolam o
aspecto meramente fílmico e se espalha pela internet, no site www.omercadodenoticias.com.br.
Neste endereço, pode-se saber dos bastidores da produção, acessar mais detalhes
dos casos reais levantados pelo filme e assistir na íntegra as entrevistas
realizadas.
Sem pessimismo nem ingenuidade, O Mercado de Notícias não é uma crítica à imprensa e ao jornalismo,
mas uma tentativa de reflexão que não deixa de expor a vertente mais desonrosa da
profissão, que é quando se deixa de lado o fato para ceder à tentação (e aos
interesses) do ficcional.
Assim, com sua estrutura bem arquitetada, o documentário reconstrói
com fatos e exemplos aquilo que já em 1962 John Ford arrematava na cena final
de seu clássico O Homem que Matou o Facínora:
“Quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda”.
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O Mercado de Notícias
Jorge Furtado
Brasil, 2014
94 min.
Trailer