Diferentemente do que pode parecer em uma primeira análise, Interestelar não é um filme pretensioso. Portanto, comparações com 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, e Solaris, de Andrei Tarkovsky, soam como aproximações preguiçosas. Estes filmes apresentam uma reflexão profunda e colocam o espectador na incerteza provocativa sem respostas definitivas.
Em um futuro próximo,
Cooper (Matthew McConaughey) é um engenheiro e ex-piloto da NASA, viúvo e pai
de dois filhos. Como a maioria das pessoas na Terra, teve de abandonar sua
carreira para se tornar fazendeiro e ajudar a suprir um colapso global de
abastecimento de alimentos. Mas a ameaça da fome se junta agora a uma iminente
extinção da vida humana no planeta, provocada por mudanças climáticas. É quando
Cooper descobre que a NASA, que se pensava estar desativada, mantém um programa
secreto para encontrar outro planeta capaz de abrigar vida humana. Cooper,
então, é convidado a comandar a missão exploratória.
É neste
momento que o filme joga fora grande parte de seu potencial. Porque se a ficção
de um modo geral se baseia muitas vezes na suspensão da descrença, é sabido que
esse efeito não nasce do nada: é preciso construí-lo. Mas aqui não se trata de
acreditar na história, na viagem, na tecnologia ou nos fenômenos quânticos da
física, trata-se de acreditar no protagonista.
Do momento em
que Cooper descobre a missão – fato que vem acompanhado por uma típica
sequência de explicações didáticas no estilo “visita monitorada a museu” – até
sua decisão de deixar filhos, vida, fazenda, planeta e galáxia para trás, não
há tempo nem construção narrativa suficiente para dar a dimensão de sua escolha.
Essa falha é mais grave quando se percebe que todo o desenvolvimento dramático
de seu personagem será ancorado exatamente nessa escolha, na perda e riscos que ela impõe.
Por deixar de
lado essa amarração tão básica, o filme esteriliza ainda mais o que já nasce
sob o risco do estéril. Se não há na sua travessia pretensões filosóficas ou
grandes temas humanos (ao menos não tratados com o mínimo de seriedade e
perspectiva), diante do didatismo de suas explicações o que sobra é o exibicionismo
visual.
O resultado
só não é totalmente ruim porque nesse quesito Nolan costuma se sair bem. No
caso, sai-se melhor ainda por ter sido fiel na representação de alguns
fenômenos comprovados pela ciência, como buracos negros giratórios, distorção
do espaço-tempo pela ação gravitacional e o ainda polêmico, mas sempre discutido,
buraco de minhoca.
Em sua
composição visual, o filme impressiona. Não é difícil deslumbrar-se com o
desenvolvimento de seu segundo ato, quando mergulhamos na viagem e nos deparamos
com o desconhecido. Ali, o diretor mostra competência na criação de uma
atmosfera angustiante, fazendo bom uso da montagem paralela para estabelecer
uma conexão forte entre os acontecimentos da missão e os acontecimentos na
Terra. É quando se tem a melhor fruição do filme, apesar do exagerado falatório
explicativo dos personagens.
Contudo, falta silêncio
em Interestelar. Perdem-se, assim, grandes
oportunidades de não falar nada. Como na irritante tentativa de qualificar o Amor como um elemento que faz parte do enlace quântico do espaço-tempo. Isso
é piorado pela solução imaginativa para resolver o último embaraço da trama,
quando o filme culmina em uma experiência multidimensional que soa estimulante
e fabulosa no início, mas diluída e sem nexo sob um segundo olhar.
Com suas
fragilidades – entre as quais está a atuação de todo elenco, com exceção de
Jessica Chastain, única capaz de transmitir alguma emoção –, Interestelar fica como uma boa sinfonia
sem alma. Isso porque tenta impor um
sentimentalismo que se pretende tão grande quanto a distância intergaláctica que percorre o filme. Todo
esse sentimento só evidencia a esterilidade de seu conjunto, que se mostra imenso
e justo ao tratar do cosmo, mas decepcionante quando se trata da dimensão
humana.
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Interstellar
Christopher Nolan
EUA/Reino Unido, 2014
169 min.