Searching for Sugar
Man é o tipo de filme que desafia quem se atreve a escrever sobre ele. Ao
menos para quem se preocupa em fazê-lo sem entregar as muitas surpresas que a
história guarda. Por isso, escrever sobre este filme é redigir sobre campo
minado. Mas como escrever é preciso...
Cidade de Detroid, EUA, idos de 1968. Um tal de Rodriguez
grava um álbum com composições suas, chamado "Cold Fact". De acordo
com diversos produtores importantes que viram esse álbum ser feito e conheceram
Rodriguez pessoalmente, a promessa de seu talento e as letras de suas músicas
era algo que ultrapassava a dimensão de Bob Dylan.
Porém, segundo o produtor do álbum, “Cold Fact” não vendeu
mais do que um punhado de cópias nos EUA. Depois, um segundo álbum fracassado: “Coming
From Realitty”.
Então, como manda o manual das histórias ocultas do lado B
da música, o misterioso Rodriguez, que ninguém sabia onde vivia nem conhecia
muito intimamente, se matou durante um show ao vivo em um bar decadente. Entrava,
assim, para as brumas das lendas dos músicos obscuros: uns diziam que ateara
fogo ao próprio corpo, outros, que disparara um tiro na cabeça.
Enquanto isso, na África do Sul, nos anos 70, sem que se
saiba até hoje ao certo como, o primeiro álbum de Rodriguez entrou no país.
Canções como Sugar Man e I Wonder subitamente revelaram para uma
geração de jovens brancos, que vivia sob duro regime de censura e segregação
racial, que era possível se rebelar. Como diz um dos entrevistados do
documentário: "Para muitos de nós, foi a trilha sonora de nossas vidas".
Estima-se que “Cold Fact” tenha vendido mais de meio milhão
de cópias no país.
Este é só o princípio de uma história incrível que o diretor
sueco Malik Bendjelloul vai descobrir ao sair em busca de pistas sobre quem foi
quem foi Sixto Rodriguez e porque sua música incendiou uma geração do outro
lado do oceano e passou inteiramente despercebida no país de origem.
Entretanto, mais que as surpresas que o filme reserva, seu
maior mérito é saber trabalhar cada etapa da "elucidação" dos fatos
de forma a construir uma apurada dimensão do improvável. O tipo de improvável
que, se fosse ficção, seria má ficção. Mas sendo tudo realidade, torna-se o
melhor da realidade.
A costura que dá forma a essa dimensão é composta e trançada
pelas canções de Rodriguez. Sobre elas dosam-se animações que captam sua
essência melancólica, amarradas por imagens de arquivo, fotografias antigas, depoimentos
entusiasmados e incisivos. Tudo sustentado por belíssimos travellings que descortinam uma Detroit dura e gélida, ambiente e
personificação do mistério que se persegue.
Assim, a montagem é a grande lapidação de Searching for Sugar Man. Justamente
porque a história em si, por mais extraordinária que seja, não teria o mesmo
impacto se não fosse contada de forma tão bem costurada.
Mas além da aventura excepcional e da forma brilhante como é
contada, o que pesa decisivamente para que Searching
for Sugar Man seja um filme memorável é seu caráter humano.
Há na sua história e na sua essência uma comovente experiência
de vida real, uma força da natureza que emociona profundamente ao construir em
sua narrativa o extraordinário que habita insuspeitado cotidiano. Mito, lenda e
história se somam para dar dimensão à vida, numa amplitude rara, absolutamente
improvável e profundamente marcante.
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Searching for Sugar
Man
Malik Bendjelloul
Suécia/Reino Unido/EUA, 2012
86 min.
Trailer