Steve McQueen, diretor negro britânico e sem qualquer
parentesco com o falecido ator branco de mesmo nome, vem caindo nas graças de
crítica e público com seus longas-metragens, depois de uma longa e bem sucedida
carreira como curtametragista.
Muito elogiado por Shame
(2011) e agora disputando como favorito nas principais categorias do Oscar por 12 Anos de Escravidão, McQueen é antes
de tudo um diretor esperto. Sabe desenvolver uma trama dramática boa o bastante
para despistar a fragilidade dimensional de seus personagens. Sua esperteza
está em como oculta esta fragilidade por baixo de artifícios.
Baseado em uma história real, 12 Anos de Escravidão se passa alguns anos antes de eclodir a
Guerra Civil nos EUA, quando o país se encontrava dividido entre o norte
progressista e o sul escravocrata.
Em uma Nova York progressista, vamos conhecer Solomon
Northup (Chiwetel Ejiofor), homem negro, culto, nascido livre, pai de família e
próspero empreendedor. Até que um dia ele cai numa conversa fiada e se vê
sequestrado e lavado para o sul como escravo - algo que não era exatamente
incomum na época.
A partir disso, o filme desfia um sem-novidades rosário de
maldades sofridas por Solonon e outros escravos. Neste processo, o escravo
nascido livre reforça sua força de vontade em sobreviver para um dia ser livre
novamente e rever sua família.
É dessa determinação de autoajuda barata que surgem alguns
sintomas de fragilidade no estofo do personagem, ainda que esta seja uma
história verdadeira, baseada no livro escrito pelo próprio Solomon da vida
real.
McQueen, esperto que é, disfarça esta superficialidade com planos
demorados, reflexivos, pontuando a narrativa com a tristeza inevitável de seus
personagens escravos. Tenta-se, com isso, atribuir dimensão ao drama. Mas são,
dentro do contexto narrativo, apenas artifícios.
Na verdade, em todo desenvolvimento do filme percebe-se um esforço
em atribuir aos personagens gestos que deem pistas da complexidade de suas
ações. Da atração doentia de um senhor de escravos (interpretado por Michael
Fassbender) por uma das negras até uma aparente insensibilidade inicial de
Solomon para com a perda dela, esse esforço todo funciona apenas numa primeira
camada. Ao se tentar ir além dela, tudo se dissolve.
Nada disso faz de 12
Anos de Escravidão um filme sem méritos. Eles existem em grande quantidade
e em diversos aspectos. Não faltam exemplos disso, como alguns bons momentos de
intensidade dramática, a exemplo de uma cena em que Solomon vai às lágrimas
cantando uma canção ou passa horas em uma situação desconcertante de quase
enforcamento.
A primeira, com a câmera fixa no rosto do ator, é um ato de
atuação plena, aquele momento em que o ator é tudo que há em cena. Ali, Ejiofor
demonstra uma potência espantosa, que já vale o filme.
Na segunda, sua permanência demorada vai além de submeter o
público ao suplício do personagem. É o que se passa em segundo plano, diante do
corpo que luta para se manter vivo, o grande destaque da cena. Nela se constrói
uma atmosfera, um cenário e uma ambientação que revela - com força dramática intensa,
mas elementos sutis - o terrível universo escravocrata. E isso com apenas uma
imagem construída da relação entre o que há em primeiro e segundo plano.
Mas ainda mais eficiente e bem conduzido é seu arco
narrativo, que compõe um cenário desolador sobre a escravidão e sua
desumanidade. Pode-se sempre questionar ou duvidar do exagero cruel com que
sempre se retrata senhores de escravos. Há aí uma controvérsia entre ser fiel à
realidade (dosando a crueldade) ou ser exagerado para revelar o horror
indesculpável.
Se exageros existem, que bem sirvam de retrato do horror
imperdoável. Mas para crer na capacidade humana de subjulgar com crueldade seu
semelhante (a partir de uma visão desumanizada sobre quem se está subjulgando) temos
muitos exemplos recentes, como o Holocausto e, ainda mais recente, Guantánamo.
De qualquer forma, Steve McQueen é sempre habilidoso como
diretor. Envolve o público, tira boas atuações dos atores, constrói uma
narrativa clara e eficiente. Mas em alguns momentos sente-se a presença de
artifícios dramáticos com a intenção de dar profundidade ao sofrimento e que
não resistem a uma olhada na camada de baixo.
Pois é justamente essa falta de um estofo mais consistente
que faz de 12 de Anos de Escravidão
um filme que, apesar de ser muito bom, vem sendo superestimado pela crítica e
pelo público. Deve ganhar e merecer diversas estatuetas do Oscar, mas falta
muito para ser esse grande filme que querem fazer crer que é.
--
12 Years a Slave
Steve McQueen
EUA/Reino Unido, 2013
134 min.
Trailer
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