É uma rápida aula de narrativa cinematográfica o modo como o diretor mexicano de Depois de Lúcia, Michel Franco, introduz seus personagens. Através de fragmentos que parecem desconectados, Franco nos oferece um pequeno quebra-cabeça. Nada muito complicado. Com as peças que vai mostrando, delineia seus dois personagens e a mudança pela qual passam. São pouquíssimo diálogos nesses minutos iniciais, nos quais apenas as imagens remontam e explicam o que se passa.
Pai e filha se mudam para outra cidade. Por trás dessa
mudança, aos poucos, se revela o luto. Ele, um chef de cozinha, começa em novo
emprego; ela, adolescente, em uma nova escola. Roberto (Hernán Menonza) e
Alejandra (Tessa Ia) trazem a sombra de um trauma. Um peso que,
involuntariamente, levaram na mudança. Está presente no semblante de cada um e
mais ainda na relação entre eles.
No desenrolar da convivência, ficarão claros os aspectos
profundos que os afetam e o modo como cada um vai lidar com sua perda. Nesse
processo, uma falsa proximidade não esconde o real distanciamento. Efeito que
levará ambos ao limite quando confrontados com o absurdo de situações
inesperadas.
Depois de Lúcia constrói
primeiro os abismo de comunicação, tão comum nas relações entre pais e filhos.
Especialmente quando os filhos estão na adolescência. Sem pontes neste
abismo, cada um dos personagens se verá sozinho, suportando (e depois reagindo,
perigosamente) aos ataques de que será vítima.
Na escola nova, Alejandra experimentará de início uma
normalidade. Até que um evento mal administrado resulta numa exposição que a transformará
em alvo dos mais diversos abusos por parte dos colegas. Vê-se, a partir daí, seu
estoicismo sem limites. Uma perturbadora submissão diante de violência cada vez
mais dura.
Na outra ponta, o mesmo silêncio de Roberto para o
distanciamento da filha. Longe de ser um pai indiferente, a aparente
normalidade da relação serve de fuga do tema tabu entre eles. O diálogo não é
proibido, mas implicitamente evitado. Nesta barreira que cresce entre eles pode
estar a semente dos efeitos terríveis que virão. Fica evidente que ambos se
punem em silêncio, dentro do qual compartilham uma culpa enorme pelo passado
recente.
Com frio distanciamento, Franco conduz sua história recheando-a de crueldade. Há neste distanciamento do diretor, feito de planos fixos e ausência de trilha sonora, uma certa perversidade. Em especial no modo como retrata o terror que nasce da violência sofrida por Alejandra. Residem aí alguns exageros do filme, que parece se aproximar perigosamente de um descontrole na forma coma agrava sempre a situação.
Permeia toda a narrativa um forte desconforto, que nos
atinge com força. É um filme que nos manipula pelo incômodo.Talvez seu efeito
psicológico mais forte esteja em revelar toda uma sordidez, ao mesmo tempo que
demonstra como ela é ocultada sob uma dissimulada normalidade entre os personagens.
Tema recorrente nos dias de hoje, o bullying
aqui é mostrado com uma ferocidade atroz, indo da escatologia à violência
sexual.
O exagero pode ser justificado pela apatia submissa de
Alejandra, mas beira o inverossímil por acabar criando dois mundos distintos e
inexplicavelmente separados. O dos adultos e o dos adolescentes, como se o
primeiro fosse incapaz de ver ou perceber o que se passa no segundo. Contudo, ainda
que a construção desses mundos separados seja problemática no filme, não se
pode negar que ela seja razoavelmente comum na realidade.
Mão pesada no retrato de uma ilimitada impiedade,
atormentador e duro, Depois de Lúcia
desfecha sua narrativa de forma sombria. O resultado das barreiras entre os
dois mundos é uma tragédia que também parece mal elaborada pelo filme, mas isso
não diminui seu impacto final, que nos deixa com uma desesperança angustiante.
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Después de Lucia
Michel Franco
Máxico/França, 2012
93 min.
Trailer
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