Alguns risos provocados pelas situações de Blue Jasmine, novo filme de Woody Allen, são
carregados de certo desconforto. Há graça na situação, daí o riso. Mas a graça
está na superfície, pois o miolo do que se revela em cena tem algo de
constrangedor, daí o desconforto. Apressadamente, pode-se confundir com humor
negro, mas o que temos aí é humor ácido.
Não é de hoje que Woody Allen descortina em suas tramas a patetice
que há nos dramas da sociedade moderna e em nossas sempre conflituosas relações
humanas. Porém, com o passar do tempo – e peneirando-se o que realmente tem
qualidade em uma produção prolixa que se torna cada vez mais irregular – o
resultado desse descortinado parece caminhar para o melancólico.
Melancolia esta que agora surge até como uma obviedade
cravada no título, em que “blue”, como se sabe, indica tristeza. Jasmine (Cate
Blanchett) é uma socialite que ficou dura depois de o marido rico ser preso por
falcatruas financeiras. Ela então vai morar com a irmã pobre em San Francisco.
A situação que se desenha com isso poderia resultar numa
pilha de clichês envolvendo o conflito de classes, com farpas de afetação, preconceitos,
constrangimentos e o manjado choque de camadas sociais distintas.
De fato, há um pouco disso no início de Blue Jasmine, mas Woody Allen logo direciona sua trama para revelar
não a óbvia superfície desse conflito, mas o caráter mais íntimo de suas personagens.
O diretor até brinca com a obviedade – que logo dispensará –
ao fazer de Jasmine a loira e de Ginger (Sally Hawkins), a irmã pobre, a morena.
Explica-se: ambas foram adotadas. Daí em diante, contudo, trabalha seus personagens
desmontando gradativamente o maniqueísmo aparente. É nesse desmonte que o filme
cresce.
Em narrativa paralela, Allen vai contar como Jasmine chegou
ao desamparo financeiro. Ao mesmo tempo, por meio da excelente atuação de Cate Blanchett,
revela as consequências do trauma que a levou à lona. Nesse aspecto, o trabalho
de Blanchett merece destaque.
Ela compõe na medida uma personagem que se apresenta
detestável e ridícula em sua afetação. No entanto, o faz com boa dose de autêntica
fragilidade, desmontando-a em sua soberba. Para isso, alterna-se em doses de insanidade,
que ora passa pelo cômico, ora pelo sinistro e ora se confunde um e outro, feito
riso e desconforto.
No oposto, vemos a vida ordinária de Ginger, cujas
perspectivas não vão além dos dois filhos cujo pai (seu ex-marido) se ressente
da ex-cunhada, um futuro novo marido grosseirão que vai da explosão agressiva à
fragilidade infantil e uma carreira fadada a caixa de supermercado. Allen não
constrói nela a virtuosidade do simples, mas o fado disso.
No que poderia ser esquemático e previsível, desconstrói no espectador certezas que se desmancham na humanização de quase todos que passam pela tela. Sai o maniqueísmo do certo e entra o sentimento do difuso, mais real e menos simples de ser digerido. Ora odiamos, ora nos apiedamos.
Mas Allen não facilita e por baixo da camada de humor e
graça que cobre quase todo o filme, despeja uma acidez que faz desse humor algo
amargo e melancólico. Não deixa muito espaço para sonhos, apenas o desconforto
que, sob a espuma do riso, esconde uma conformação ao que se está fadado e uma
falsa alegria contraposta a um grande pessimismo. É o que faz de Blue Jasmine um dos melhores entre os
filmes recentes do diretor.
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Blue Jasmine
Woody Allen
EUA, 2013
98 min.
Trailer
1 comentários:
Ahhh muito bommmm! E o Hao, a nova página só para vídeos, já viram? Tem notícias assim, mas ficou demais porque é mais interativo e tal, não tem essa moderação e tal. A página nova: http://br.hao123.com/movie?tn=fb_self_wt_01_movie_br
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