Quando chegou ao Brasil, em 1951, Bishop pretendia ficar
apenas alguns dias, antes de seguir num giro pela América do Sul. Mas um
incidente envolvendo uma reação alérgica após morder um caju resultou em uma
permanência de anos, motivada não pela alergia, mas por uma relação afetiva e
poética com Lota.
É a história dessa relação que o diretor Bruno Barreto reconta
neste belo e sensível Flores Raras.
Um filme de desenvolvimento narrativo afinado e que deve grande parte de seu
feliz resultado ao embate cênico de duas atrizes inspiradas.
Glória Pires faz Lota, uma mulher decidida, segura e de
pulso firme. Gosta de falar de seu trabalho como arquiteta sem qualquer timidez
ou falsa modéstia. A pedido de sua então companheira, Mary (Tracy Middendorf), ela
recebe em sua casa Elizabeth Bishop, interpretada por Miranda Otto.
Bishop é quase o oposto de Lota. É tímida, não se sente a
vontade para ler seus próprios poemas e reage com certa retração ao imediato
choque cultural. Sua atitude é interpretada como esnobismo por Lota, mas logo a
antipatia se transformará em paixão.
Na composição dos personagens, Glória Pires realiza uma interpretação
de firmeza magnética. Mantém o tempo todo um tom de audácia que representa o
destacado papel que a figura real de Lota teve em sua época. Mas o faz sem
excessos ou mimetismos caricatos.
Já Miranda Otto compõe sua Bishop com uma fragilidade
enviesada, entre o medo de si mesma, a insegurança quanto à sua poesia e a
inescapável necessidade de escrever. Há nesta personagem algo de uma força
inevitável (a poesia, certamente, mas algo mais) que a fragilidade encobre, mas
não esconde.
Esse amálgama é desenvolvido com a sutileza de uma
interpretação que até comete pequenos excessos, mas que no todo se humaniza imensamente,
auxiliada por flashbacks que remontam a história sofrida da poeta. Mérito da
atriz e mérito também da direção.
Bruno Barreto faz de Flores
Raras uma peça exemplar de narrativa clássica, redonda e azeitada. Não há
solavancos nem artificialismos dramáticos e a música nunca se excede para
forçar o drama.
O resultado é uma beleza complicada em que o amor não é
tratado como objeto ideal de superações de crises e dificuldades. Em Flores Raras o amor é real e o amor real
é, antes de tudo, imperfeito. A condensação dessa imperfeição e desses
personagens está na cadência precisa do filme, no seu timing bem executado.
Barreto filma na convenção. Enquadramentos e sequências são
ordenados e montados sem exercício dialético, com a precisão narrativa que não
subtrai demais nem se estende além. Como a saber que o que interessa são duas
mulheres, o Rio de Janeiro de outros tempos, o amor imperfeito e a desventura
de uma história a ser contada. No caso, muito bem contada.
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Flores Raras
Bruno Barreto
Brasil, 2013
118 min.
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