segunda-feira, abril 08, 2013

Xingu


Se os irmãos Villas Bôas dedicaram suas vidas para preservar a cultura e os povos indígenas, nada mais justo que o cinema nacional preserve a história desses três irmãos. Este é um dos motivos para se ver Xingu, de Cao Hamburger. Mas não o único.

O filme abre com uma licença para possíveis imprecisões históricas ao se dizer “livremente inspirado em fatos reais”. É essa licença que permite a liberdade de se contar uma história épica sem as amarras do detalhe. Um caminho acertado e bem trilhado pelo filme. Afinal, parte do roteiro nasceu de histórias ouvidas a partir da tradição oral dos índios do Xingu. Talvez não se possa dizer que aconteceu exatamente assim. Mas aconteceu. E o que aconteceu não foi pouco.

Vindos de uma família de classe média paulista, os irmãos Villas Bôas – Cláudio (João Miguel, de “Estômago”), Orlando (Felipe Camargo, de “Som e Fúria”) e Leonardo (Caio Blat, de “Bróder”) – sonhavam em desbravar o mundo e viver aventuras. Em 1943, quando o governo criou a Expedição Roncador-Xingu para penetrar no ainda inexplorado Centro-Oeste do país, os três irmãos viram a chance de realizar suas aventuras.

Inscreveram-se na expedição passando-se por trabalhadores braçais sem instrução escolar. Foram aceitos. Não poderiam imaginar, naquele momento, que passariam mais de 40 anos na mata; boa parte vivendo e lutando em defesa dos índios. Assim como não imaginavam que dali a 18 anos seriam responsáveis, em 1961, pela criação do Parque Nacional do Xingu, a maior reserva indígena do mundo.

Ao relembrar esta história – cuja frágil memória nacional sempre corre o risco de esquecer –, Cao Hamburger deixa um registro emocionante e apaixonado dos feitos desses irmãos. Embora épico pelo tema e pelo tamanho da aventura que narra, o filme não cai na armadilha de tratar a si mesmo como grandioso. É muito mais uma trilha contínua, uma picada aberta com bravura e simplicidade, que preserva nas opções escolhidas para a história o espírito honesto que remete aos irmãos aventureiros.

Sem se prender a detalhes, abre caminho através da memória e também do imaginário dos povos indígenas do Xingu, no qual as histórias dos irmãos já fazem parte da mitologia de sua tradição oral. Não é, contudo, uma fábula, mas sim uma narrativa aberta, que relata os acontecimentos históricos sem com isso deixar de dar espaço para as possibilidades do imaginário. Como a sugestão de um triângulo amoroso que se estabelece entre um dos irmãos e um casal de índios. Construído muito pela troca de olhares e pelo que não é dito, o espaço que se abre desta situação é um dos prazeres do filme, nunca fechado a verdades rígidas.

Dando plena sustentação a esse trabalho, estão as atuações do elenco. Do idealismo e maior introspecção de Claudio até a precipitação de Leonardo, passando pelo equilíbrio de Orlando, todo o elenco – que inclui diversos índios nativos da região como atores não profissionais – funciona muito bem e em sintonia.

Xingu não foi feito para ser uma eletrizante aventura, nem um registro minuciosamente documental da criação do Parque Nacional do Xingu. É antes de tudo uma aventura, narrada com sobriedade e respeito, sobre as realizações épicas de bravura e humanismo dos irmãos Villas Bôas.
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Xingu
Cao Hamburger
Brasil, 2012
102 min.

Trailer

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