Se os irmãos Villas Bôas dedicaram suas vidas para preservar a cultura e os povos indígenas, nada mais justo que o cinema nacional preserve a história desses três irmãos. Este é um dos motivos para se ver Xingu, de Cao Hamburger. Mas não o único.
O filme abre com uma licença para possíveis imprecisões
históricas ao se dizer “livremente inspirado em fatos reais”. É essa licença
que permite a liberdade de se contar uma história épica sem as amarras do detalhe.
Um caminho acertado e bem trilhado pelo filme. Afinal, parte do roteiro nasceu
de histórias ouvidas a partir da tradição oral dos índios do Xingu. Talvez não
se possa dizer que aconteceu exatamente assim. Mas aconteceu. E o que aconteceu
não foi pouco.
Vindos de uma família de classe média paulista, os irmãos
Villas Bôas – Cláudio (João Miguel, de “Estômago”), Orlando (Felipe Camargo, de
“Som e Fúria”) e Leonardo (Caio Blat, de “Bróder”) – sonhavam em desbravar o
mundo e viver aventuras. Em 1943, quando o governo criou a Expedição Roncador-Xingu
para penetrar no ainda inexplorado Centro-Oeste do país, os três irmãos viram a
chance de realizar suas aventuras.
Inscreveram-se na expedição passando-se por trabalhadores
braçais sem instrução escolar. Foram aceitos. Não poderiam imaginar, naquele
momento, que passariam mais de 40 anos na mata; boa parte vivendo e lutando em
defesa dos índios. Assim como não imaginavam que dali a 18 anos seriam
responsáveis, em 1961, pela criação do Parque Nacional do Xingu, a maior
reserva indígena do mundo.
Ao relembrar esta história – cuja frágil memória nacional
sempre corre o risco de esquecer –, Cao Hamburger deixa um registro emocionante
e apaixonado dos feitos desses irmãos. Embora épico pelo tema e pelo tamanho da
aventura que narra, o filme não cai na armadilha de tratar a si mesmo como
grandioso. É muito mais uma trilha contínua, uma picada aberta com bravura e
simplicidade, que preserva nas opções escolhidas para a história o espírito
honesto que remete aos irmãos aventureiros.
Sem se prender a detalhes, abre caminho através da memória e
também do imaginário dos povos indígenas do Xingu, no qual as histórias dos
irmãos já fazem parte da mitologia de sua tradição oral. Não é, contudo, uma
fábula, mas sim uma narrativa aberta, que relata os acontecimentos históricos
sem com isso deixar de dar espaço para as possibilidades do imaginário. Como a
sugestão de um triângulo amoroso que se estabelece entre um dos irmãos e um
casal de índios. Construído muito pela troca de olhares e pelo que não é dito,
o espaço que se abre desta situação é um dos prazeres do filme, nunca fechado a
verdades rígidas.
Dando plena sustentação a esse trabalho, estão as atuações
do elenco. Do idealismo e maior introspecção de Claudio até a precipitação de
Leonardo, passando pelo equilíbrio de Orlando, todo o elenco – que inclui
diversos índios nativos da região como atores não profissionais – funciona
muito bem e em sintonia.
Xingu não foi
feito para ser uma eletrizante aventura, nem um registro minuciosamente documental
da criação do Parque Nacional do Xingu. É antes de tudo uma aventura, narrada
com sobriedade e respeito, sobre as realizações épicas de bravura e humanismo
dos irmãos Villas Bôas.
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Xingu
Cao Hamburger
Brasil, 2012
102 min.
Trailer
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Xingu
Cao Hamburger
Brasil, 2012
102 min.
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