segunda-feira, novembro 19, 2012

Era Uma Vez Eu, Verônica

Era uma vez ela: Hermila Guedes. Porque se em Era Uma Vez Eu, Verônica, o talento do diretor Marcelo Gomes alcançam uma sensibilidade honesta, isso se deve em grande parte à atuação de Hermila. Ela, Verônica.

Nas primeiras imagens do filme vemos corpos nus envolvendo-se na areia de alguma praia em Recife. Uma alvorada qualquer em que a nudez não é apenas prazer, mas a libertação de algo. Ali, uma felicidade quase infantil comungada entre suspiros e risos e o farfalhar de areia na pele. Adiante, intuiremos que são os recém-formados da faculdade de medicina. São os novos psiquiatras.

Entre eles está Verônica, paciente de si mesma, como tanto anunciará ela para seu confidente gravador. Mora com o pai, mas pouco fala da mãe (morreu? fugiu?). Da relação paternal, vemos um apego enorme, de carinho e afeto. O orgulho do pai pela filha, o orgulho da filha pelo pai. Está ali todo sentimento de Verônica.

Ela inicia sua residência em hospital público depois de passar anos “decorando as mazelas humanas”. Atende pacientes com dores de cabeça, calores insuportáveis, vozes ao ouvido, silêncios catatônicos. Ela agora não estuda as mazelas humanas, ela as confronta todos os dias na sala de um hospital central.

Verônica tem dúvidas. O pai adoece. Quer do sexo uma libertação, mas não se sente capaz de amar, mesmo quando é amada. Sabemos de tudo por sua voz em confidência que guia a narrativa. Coloca às claras suas aflições, incertezas. Mas é no rosto de Verônica, na atuação de Hermila Guedes, que reside todo o filme.

Marcelo Gomes faz do filme um testamento da crise de uma mulher que tem dúvidas sobre a vida. Como qualquer pessoa (repete ela algumas vezes), trazendo para o campo da realidade a ficção de sua história. Todos, em algum momento da vida, fomos ou seremos Verônica.

Para nos mostrar isso, diretor e atriz se montam de honestidade. O compasso do filme tem a clareza da atuação de Hermila. Não há arroubos, catarses ou ápices dramáticos. Há apenas a vida no ritmo da vida. Pequenas epifanias, os silêncios de companhia quando o pensamento se distrai.

A dúvida é o cotidiano e dele nasce a crise de Verônica, desenhada em sua voz que grava pensamentos, em gestos que guardam sentimentos e olhares que dizem mais que as palavras do mundo.

Dessa composição, que o diretor orquestra com sensibilidade e sem apelos, nasce a verdade do filme, reflexo da verdade de Verônica. No mar calmo e nas palavras íntimas, ela quer rumo, quer cura para tanta incerteza. Mas encontra apenas a vida, o mar, o sol que amorna a água em seu umbigo e a perspectiva de que as coisas são o que são.

Era uma Vez Eu, Verônica faz um tipo de cinema que evita o espetáculo para nos aproximar da vida. Em sua trajetória narrativa, sustenta-se não com o absurdo ou surpreendente, nem com o raro e inusitado, mas com a realidade cinematográfica de um cotidiano qualquer. Mas não faz disso uma monotonia monocórdia, pois preenche a tela de um cotidiano que traz o que há de mais extraordinário em si: a mera, indefinida e sempre incerta existência.
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Era Uma Vez Eu, Verônica
Marcelo Gomes
Brasil, 2012
91 min.

Trailer

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