Escrito e dirigido por Luiz Bolognesi, sua trama é um
sobrevoo na história de opressão e lutas do país, indo das primeiras décadas do
Descobrimento até um futuro distópico no ano de 2096. Atravessando seis
séculos, o narrador dessa travessia é um índio tupinambá (voz de Selton Mello),
cuja maldição é não morrer. O dispositivo que o atrai para o centro de lutas
inglórias é seu amor por Janaína (voz de Camila Pitanga), a quem reencontrará
em diversas encarnações.
Duas frases servem de farol para a história que se vê na
tela. Uma delas, repetida diversas vezes pelo protagonista, diz que “viver sem
conhecer o passado é andar no escuro”. A outra, dita uma única vez, afirma: ”Meus
heróis não viraram estátua. Eles morreram lutando contra aqueles que viraram”.
Duas afirmações que encerram a coerência que o filme se esforça em construir.
Sob o pretexto do amor inquebrantável, sua narrativa
pretende ser uma alegoria da luta contra a injustiça. Faz disso uma perspectiva
sombria, de derrotas e perpetuação das injustiças, mas sempre atrelada à ideia
de esperança. Não por acaso, a ave metafórica que se verá ao longo do filme
como elemento de perpetuação da vida de seu protagonista lembra na forma e no
destino a mitologia da Fênix, que sempre renasce das cinzas.
Este renascimento está ligado à luta, condição que se renova
por gerações de oprimidos contra um sistema continuamente perverso. Das
derrotas dessa luta, de suas cinzas pesarosas, renasce a esperança, motor de
uma nova luta. Está nisso a boa intenção do filme, que dentro de limitações
estéticas e técnicas a realiza muito bem.
Em se tratando de uma animação nacional, não cabe, claro,
condescendência crítica pautada pela natural dificuldade e pelo surpreendente
êxito em colocá-la em circuito. Porém tampouco se pode deixar de dar esta nota
a feito notável. O que não impede de ver na sua execução algumas fragilidades.
Dentre essas fragilidades está o quanto há de superficial no
retrato de fatos históricos. Mas não tendo o filme uma proposta de revisão
histórica, suas simplificações são um problema apenas por se darem de forma
apressada, sem tempo para o enlace dos personagens e para que se adensem suas
nuances de momento.
Com uma duração de 74 minutos, esta pressa no seguir adiante
prejudica o que o filme tem de melhor, que é tentar uma perspectiva histórica e
cíclica da injustiça e da opressão, assim como a renovação da esperança na
forma de lutas contra o sistema. Perde, com a fugacidade, estofo dramático.
Mesmo em seu melhor segmento, que é o do futuro distópico, sente-se uma certa
timidez na ironia crítica que envolve sua construção.
No momento de apontar para onde tudo pode descambar,
detalhes saborosos aparecem, mas são superficialmente aproveitados. Uma timidez
que enfraquece a contundência latente da ironia, presente no apenas mencionado “pastor
da República” como chefe da nação, pedindo ao povo que reze a Deus para acabar
com a seca no Nordeste.
Desta teocracia evangélica, vai-se ao problema da escassez
de água potável, um gatilho para desmandos gananciosos e grupos de resistência
armada combatidos por milícias oficiais. Está aí um Rio de Janeiro do futuro,
feito de abismos e abusos sociais. Elementos saborosos que se enfraquecem no
superficial. Em parte também pela ênfase no amor incondicional através dos
séculos, linha central que quer dar liga à narrativa.
Mesmo com suas limitações, Uma História de Amor e Fúria funciona como crítica e aventura. A
despeito da fragilidade técnica de animação, que tem traços modernos em
sintonia com a produção atual, mas carece de articulação de movimento, o filme é
uma surpresa positiva. Prende a atenção, cria expectativa, gera empatia no
público. Sua resistente coerência em torno da importância de conhecer o passado
para não destruir o futuro se mantém intacta ao longo da projeção, assim como
seu viés de “lado b” da história oficial. Uma fidelidade que resulta numa
experiência satisfatória.
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Uma História de Amor e Fúria
Luiz Bolognesi
Brasil, 2013
74 min.
Trailer
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