Se você não assistiu a Holy Motors, então não tem a menor ideia do que se trata esse filme. E se você já assistiu, provavelmente continua sem ter a menor ideia. Treze anos depois de seu último longa (Pola X, de 1999), o diretor francês Leos Carax apresenta agora um trabalho inclassificável. Uma impossibilidade de rótulo e de gênero que pode tanto servir ao elogio máximo como à crítica mais demolidora.
Pode-se amar Holy Motors ou abandoná-lo antes da
metade. Isso porque o filme apresenta uma caótica e aparentemente desconexa
proposta, de difícil digestão. Para seguir adiante, após o
choque insólito, é precioso se permitir o prazer de não entender, o prazer de
sair do cinema montado na incerteza. Sem isso, nada feito.
Também é necessário se
permitir viajar a cada nova história não contada por inteiro. São as quase-histórias do filme, mas exibidas e construídas com um vigor e sensibilidade estética raros.
Não há uma trama em Holy Motors. Há apenas o dia de um homem
que não se sabe quem é e que transita por Paris a bordo de uma limusine e que ao
longo do filme se transformará e viverá diversos personagens. Cada um deles com a devida e necessária intensidade.
Entre muitas figuras desconcertantes, temos um louco que sai do
esgoto para seduzir uma modelo encarnada por Eva Mendes com uma lambida no sovaco, logo após arraçar a
mordidas dois dedos de uma assistente de produção. Temos um encontro melancólico
de memoração do passado, além de um pai entristecido pela mentira da filha, e também um magistral interlúdio ao som de acordeões. Outras histórias se revezam, muitas falando da morte ou do ressurgimento. Assim nos atravessa Holy
Motors.
Violência, miséria,
rancor, absurdo, tecnologia, frustração. Há de tudo um pouco na jornada de um
dia desse personagem, que são muitos personagens. São as muitas faces de Oscar,
interpretado aqui pelo excelente Denis Lavant. O sentido dessa jornada, ora efusiva e estonteante,
ora melancólica e filosófica, pode até se perder nas entre-tramas que se sucedem,
nos encontros e desencontros programados sabe-se lá por quem e para quê.
Num mundo tão ávido por
sentido, símbolos e significados, no qual o cinema comercial é tão
mastigado que dispensa até que se olhe para a tela, um filme cujo sentido não
está tão facilmente ao alcance da mão é absolutamente necessário. Goste-se ou não dele.
Mas muito pouco disso seria válido não fosse a acurada câmera de Carax. O diretor constrói
sobre o nada climas de um onírico realista, uma espécie de sonho sem
metafísica. Impõe ao filme ritmo, cores e atmosferas que destacam uma
assinatura vigorosa e marcante.
Não gostar de Holy Motors é parte do jogo. É até mesmo a
essência do cinema, que nunca foi feito – e bom que seja assim – de
unanimidades. Pode-se até desprezá-lo ou abandoná-lo ao meio, mas não é possível
vê-lo sob a máscara do impassível.
Não se abandona este filme
por tédio, mas talvez por desesperança. A desesperança de ver algum sentido.
Mas o sentido pode ser buscado após, ou na releitura, ou até mesmo inventado. O que Carax nos
proporciona é a oportunidade de escavar esse sentido. Um sentido talvez oculto no leque de
caminhos que se bifurcam, como um Borges ou um buraco de Lewis Carrol.
Entender ou não é o de
menos. Holy Motors tem em si algo de
essência cinematográfica, uma essência que tem escorrido por ralos de
mediocridade, afetação e superficialidade. A essência da jornada, da
experiência, da provocação, do estímulo ao pensamento e, principalmente, do
estímulo aos sentidos. Pode até não significar nada, mas é um nada mais pleno
do que muito estofo vazio que se vê por aí.
--
Holy Motors
Leos Carax
França/Alemanha, 2012
115 min.
Trailer
1 comentários:
O filme Holy Motos é um destes filmes que mostra que o cinema agoniza, mas tá longe de ser sepultado.
Postar um comentário