sábado, março 24, 2012

Shortbus


“É como nos anos 60, mas com menos esperança”, diz Justin Bond diante da sala repleta de pessoas fazendo sexo em todas as combinações possíveis. Há nesta frase um toque de melancolia. Não em relação ao sexo e ao prazer que se busca naquela sala, mas em relação a ter de buscá-lo tão secretamente. Se nos anos 60 o sexo livre tinha algo de libertário e até de ingenuidade, nos anos 2000 ele pode ser um refúgio da contraliberdade dos tempos vigiados, sem ideais de mudar o mundo, mas com a simples proposta de se sentir livre de verdade.

Isso porque há algo de aprisionamento nos distintos sentimentos que ligam os personagens desta história. Em uma Nova York moderna, pessoas buscam a satisfação que as liberte, mas muitas vezes não sabem onde está a saída para esta liberdade. É essa angústia velada que as levarão a se encontrarem no Shortbus, um lugar no qual nada é censurado, desde que realizado com afeto e sinceridade.

Sofia (Sook-Yin Lee) é uma terapeuta sexual casada com Rob (Raphael Barker), um sujeito pacífico e sintonizado com o modo de vida zen da esposa. Mas Sofia tem um problema que a atormenta. Ela não consegue ter orgasmos. Nunca. E teme dizer isso ao marido com receio de ferir seus sentimentos.

Noutro ponto da cidade, James (Paul Dawson) e Jamie (PJ DeBoy) são, aparentemente, um harmonioso casal gay. Mas James, fechado e melancólico, parece esconder algo de seu parceiro enquanto faz um filme amador. Além disso, sem que nenhum dos dois saiba, um vizinho do prédio ao lado tem vigiado e fotografado a rotina dos dois.

Há ainda a dominatrix Severin (Lindsay Beamish), que atende clientes ávidos por serem subjugados, espancados e humilhados. Ela, no entanto, sente dificuldade em se relacionar com pessoas e sua satisfação sexual só ocorre de forma solitária.

No cruzamento das histórias, que terão no Shostbus seu ponto em comum e a subsequente irradiação e desdobramento, pode-se prever um filme esquemático de desfecho óbvio. E embora parte dessa previsão se confirme, o modo como o diretor John Cameron Mitchell (do ótimo Reencontrando a Felicidade) conduz sua narrativa passa ao largo do esquemático. Sua fluidez até começa travada, como são seus personagens, mas logo o filme desliza suavemente, nos proporcionando delicados momentos de catarses íntimas.

O diretor não evita alguns maneirismos de iluminação para enfatizar a beleza das descobertas pessoais que os personagens terão, bem como a dureza dessas descobertas. Mas o faz de forma suficientemente discreta para não atrapalhar esses momentos de revelações e sentimentos. Em meio a crises existenciais, sentimentais e sexuais, Shortbus ainda encontra espaço para aquele tipo de humor hesitante, quando o riso se mistura a um sentimento de compaixão e estranheza, um tempero que dá ao filme o sentimento da vida real.

Mesmo que seus dramas sejam dramas superficiais travestidos de algo mais profundo e que muitas respostas para esses dramas sejam simples e óbvias, o filme consegue criar uma atmosfera que une perturbação e sensibilidade. Seus personagens são carismáticos, conectados com o público, de fácil entendimento e empatia. E isso é algo difícil de se conseguir com histórias e sexualidades tão diferentes para os padrões caretas do nosso tempo.

Com ares de fábula sexual em alguns momentos, Shortbus encontra nas suas entrelinhas questões pertinentes para uma discussão aberta sobre sexualidade e liberdade sexual. Mas não se coloca como provocador – apesar das muitas cenas com genitálias no quadro, o que pode ser sempre polêmico para os mais intolerantes. Sua vocação é a da descoberta delicada, do despimento da hipocrisia e aceitação de si mesmo e de seu prazer. Nesta composição, alcança momentos de grande beleza e sentimento na construção de um clima cheio de suavidade e cumplicidade.

Se há menos esperança no desafogo da liberação dos frequentadores do Shortbus, também há menos ingenuidade. É o que revelam as palavras de um personagem ao afirmar que antes queria mudar o mundo, agora quer apenas sair dele com alguma dignidade. Esta dignidade talvez não diga respeito a como os outros nos veem, mas como nos sentimos sobre nós mesmos.
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Shortbus
John Cameron Mitchell
EUA, 2006
101 min.

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