Este fato - o choro de admiração - serve como perfeita alegoria para dimensionar a importância do diretor Ingmar Bergman. Seu tamanho e significado para o cinema não cabem
em breve texto, mas encontram tênue reflexo na expressividade de lágrimas como as de Liv Ullmann.
Casaram-se os dois. O casamento durou apenas
cinco anos. Contudo, a parceria no cinema e a amizade iria além
desse tempo e além dos filmes.
Agora, com o documentário Liv & Ingmar, esta relação é revelada em maior profundidade. É
a própria atriz, hoje com 74 anos, quem traz de volta suas lembranças. Em boa
medida, são recordações dolorosas. Porém, ela as resgata quase sempre com um
sorriso, como a saber que das aflições de sua relação com um mito ficou a experiência única de uma vida de sucesso e reconhecimento.
Intercalando depoimentos de Ullmann e cenas de filmes de
Bergman, o documentário realiza uma feliz conexão entre o sentimento vivido e o
sentimento transformado em filme. De certa forma, entrega sob a luz da vida real
um pouco desse cinema aflito e melancólico, cheio de dor e reflexão a respeito da
existência, a respeito de nossas relações com o outro e com nós mesmos. Revela, com dosada sensibilidade, um pouco do
Bergman humano que existiu por trás do Bergman mito.
O retrato, porém, não é de confete. Para a atriz, os anos
vividos com o diretor não foram fáceis. Alguns aspectos da natureza de Bergman
levaram Ullmann ao sofrimento. Ciúme, possessão, isolamento. A solidão que
Bergman buscava e precisava para escrever seus filmes afetava a esposa.
Separados, no entanto, o vínculo permaneceu. Desse vínculo,
dessa história, Liv Ullmann desdobra não apenas memórias, mas sentimentos.
Dentre esses, a sólida certeza de que desde o
princípio, como o próprio Bergman profetizou quando se conheceram, eles estavam dolorosamente conectados.
A importância de se assistir Liv & Ullmann está no que o filme resgata e revela a mais sobre
o mito de Bergman, mas também sobre o mito de Ullmann, atriz sobre a qual se
deposita parte do brilhantismo dos filmes desse diretor. Se ela sabe que sua
vida foi completamente transformada pelo diretor, ele também sabia que seu
cinema devia muito a ela.
A conexão dolorosa entre ambos nos deu um cinema de obras
cuja intensidade ultrapassa a tela e nos afeta profundamente. É um cinema
perene, e agora essa perenidade se traduz em parte nas lembranças de Ullmann, nos laços de uma relação complexa, cheia de amor imensurável e
sentimentos humanos diversos, muitas vezes antagônicos. Sentimentos que machucavam muito. Mas também cheios do mais simples e dedicado amor.
Como uma indistinção entre arte e vida, sem saber qual imita
qual, podemos ver agora que a vida e a relação entre Liv e Ingmar foi também, na sua complexa intimidade, um filme de
Bergman.
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Liv & Ullmann
Dheeraj Akolkar
Noruega/Reino Unido/Índia, 2012
83 min.
Trailer
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