É indiscutível a importância da preservação da memória e da história de um povo. Importância essa que está acima de linhas formais ou estéticas. Este é o caso de Marighella, documentário que pretende desdobrar um pouco mais da vida de Carlos Marighella, controverso líder da luta armada no Brasil durante a ditadura militar.
A
linha de partida dessa investigação é a memória afetiva de sua sobrinha, Isa
Grinspum Ferraz, realizadora do filme. Como ela mesma diz no início do documentário,
mais do que entender quem foi Marighella, a ela interessava descobrir quem foi
seu tio Carlos; um sujeito que aparecia e desaparecia de sua infância, mas que
a deixou marcada pela figura amorosa e também misteriosa.
Carlos
Marighella foi demonizado pela ditadura militar. Desenhado na época por
manchetes que o pintavam como assassino impiedoso e inimigo público de caráter
sanguinário, sua trajetória dentro da luta armada clandestina é polêmica e
cheia de contradições.
Na
esperança de jogar alguma luz sobre a figura do tio - morto pela polícia em uma emboscada em 1969 -, Isa faz uma investigação de
pistas que nomeiam os capítulos do documentário. Cada pista/capítulo tenta desvendar
uma faceta do mito.
Para
costurar esses retalhos de pistas, a diretora se serve de uma prova de física
feita pelo tio, quando era aluno de engenharia na Escola Politécnica da Universidade da Bahia.
Nesta prova, Marighella, que desde jovem também se interessava por poesia,
descreveu a reação da luz sobre superfícies espelhadas em forma de verso. São esses
versos que entremeiam os capítulos.
Assim,
a cada desdobramento muitas facetas se alternam para formar um retrato (ou um
reflexo espelhado) em múltiplas dimensões. Mas são facetas sempre inconclusas,
o que é bastante adequado ao Homem. Antes do mito, vem o ser humano: com seus
acertos e erros, com suas idiossincrasias e contradições.
Formalmente,
o documentário repete o cansativo repertório de “cabeças falantes”. É o nome
que se dá ao velho formato que alterna muitas entrevistas (enquadradas em plano
médio, daí o termo em inglês talking heads) com imagens de arquivo. Uma
fórmula que funciona mal quando o filme se apoia em excesso sobre ela.
Neste
caso, para uma personalidade que passou a vida dedicada a uma causa, o
resultado acaba por ser frio, distante do calor do momento histórico que
revive. O filme também sofre pela falta de imagens de arquivos da época. Em especial
do personagem retratado, que por ter passado décadas na clandestinidade deixou
raros registros fotográficos. Isso é visualmente notado quando muitas vezes se
preenche o quadro com cenas de filmes ou imagens que tentam recriar a atmosfera
da época. Uma solução que também enfraquece a narrativa.
Com
nada de inventivo em sua fórmula, Marighella é mais uma peça do mosaico que nosso cinema busca sempre compor
sobre os anos da ditadura. E sobre as figuras que cumpriram papéis importantes
naquele período. Não é pouco, dada à recorrente necessidade que temos de sermos
lembrados do passado para não repeti-lo (e mesmo assim, muitas vezes,
incorremos nos mesmos erros).
Por
esse prisma, o filme é sem dúvida um relevante registro. Porém, enquanto cinema,
não alcança uma força construtiva que esteja a altura do personagem e de sua
história.
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Marighella
Isa Grinspum Ferraz
Brasil, 2011
100 min.
Trailer
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