terça-feira, maio 15, 2012

Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha





O filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla tornou-se um mito. Sua estrutura anárquica, estética indecorosa (no melhor e mais libertário sentido do indecoroso); sua agressividade e ausência de ilusões, a acidez debochada e veemente... tantas são suas particularidades que fica difícil descrevê-lo. No momento em que surgiu e diante do despropósito de seu realizador – que jamais o ensaiou como grande obra, mas apenas um filme qualquer, para ser visto e esquecido em qualquer cinema poeira do centro de São Paulo – sua envergadura genial assombrou público e crítica. Hoje, mais de 40 anos depois, é cultuado pela cinefilia, tem forte reconhecimento internacional, tornou-se o símbolo mais bem acabado do chamado cinema da boca do lixo. Tornou-se manifesto e marco.

Antes de morrer, em 2004, Sganzerla deixou pronto um roteiro para o que poderia ser uma continuação de sua obra-prima. Foi a partir desse roteiro que a viúva de Rogério – e atriz-musa de seus filmes –, Helena Ignez, realizou, em parceria com Ícaro Martins, Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha.

Menos uma continuação e muito mais um desdobramento atualizado do filme original, Luz nas Trevas traz Ney Matogrosso na pele do próprio bandido, 40 anos depois. Mas como?, pode-se perguntar, uma vez que o bandido morre no final do filme de 68. Na prisão, é o próprio Luz quem responde, referindo-se ao filme como um filme que fizeram sobre ele. Está dada a chave e a permissividade para a construção de uma obra plenamente metalinguística e cíclica, que tem pelo original uma reverência permanente, mas guarda para si um bom pedaço de originalidade e personalidade.

Vemos o “Sr. Luz” nas trevas da prisão. No discurso, a veemência que Matogrosso despeja sob a encarnação desse bandido revoltado. Fora da prisão, temos o filho do Luz, seguindo os passos do pai. Interpretado por André Guerreiro Lopes, ele assume a alcunha de Tudo ou Nada, aterrorizando a noite paulistana. Entre as mulheres que seduz, Djin Sganzerla – filha de Rogério e Helena – o acompanha no conversível vermelho rumo à praia, numa reedição do que Pablo Villaça, o Luz original de 1968, e Helena Ignez fizeram de forma magistral no passado.

Luz nas Trevas é um diálogo permanente com o filme de Sganzerla. Vai da referência à homenagem, passando pela reedição atualizada de planos, sequências e diálogos. Na caotização que preserva do original, insere enxertos de falas, sons, ruídos e as indefectíveis sirenes que pontuam a cidade e o bandido. É desarranjado e provocativo, mas não evita uma mimese muitas vezes diluída do que foi o filme original. Por outro lado, traz sempre uma exuberância renovada, um fio cortante, elétrico, disseminador de um cinema incorreto, caleidoscópico, aguçador.

Entre a continuidade e a reedição, Helena e Ícaro reconstituem e preservam o espírito libertário do cinema de Sganzerla. Nesta tentativa ousada, os deslizes, as irregularidades e a força oscilante que são problemas pontuais do filme, acabam por se dispersar na fumaça inebriante de sua conjunção carnal, intensa e exuberante, que se percebe nas intenções de sua construção. Não é perfeito ou equânime, nem se pretende tal. Mas é visceral e autêntico, e como tal, necessário e excitante.
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Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha
Helena Ignez e Ícaro Martins
Brasil, 2010
83 min.

Trailer

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