quarta-feira, maio 09, 2012

Uma Longa Viagem














Um registro de família convertido em uma viagem cheia de vida, liberdade e consequência. Em Uma Longa Viagem, a diretora Lúcia Murat desencava sentimentos de memória dolorida para compor um documento intenso e humano sobre o tempo, a aventura e as sobras de tudo que somos nós.

São três os personagens dessa história, mas apenas um é vivamente representado. É dele que emana uma vivência única, tresloucada, libertária. Mas que também o obriga a trazer na algibeira dessas experiências um amargo reflexo das drogas de sua imensa liberdade: a esquizofrenia.

Lúcia, Heitor e Miguel são três irmãos que seguiram caminhos diferentes na vida. Miguel se formou em medicina. Lucia, por envolvimento com militantes de esquerda nos anos da ditadura brasileira, acabou presa e torturada nos porões da vergonha de nossa história. Já Heitor, viajou o mundo, provou todas as drogas e regressou esquizofrênico.

É a partir de cartas escritas por Heitor durante suas viagens, recordações afetivas e a memória do próprio sofrimento de Lúcia, que o documentário resgata um tempo e as ocorrências que marcaram toda família. Com inventividade e recursos cênicos simples, o filme nos insere na loucura de Heitor, em suas viagens pelo mundo e pelas drogas. Para pontuar a liberdade extremada de Heitor, temos o depoimento franco de Lúcia sobre sua penúria na prisão.

Do particular para o geral, e como a diretora, ao transpor para um documentário sua própria história e a de sua família, revive um período da história. Um tempo em que sonhos e pesadelos tinham aqui e no mundo pesos distintos. Tudo parecia possível, e ao mesmo tempo, não. Entre nossa ditadura e a liberdade propalada por uma juventude ansiosa por mudanças – aqui e lá fora –, uma sintonia de ideais que destoava apenas nas consequências. Lúcia na prisão e Heitor pelo mundo representam a disparidade do possível de então.

Na construção deste quase díptico – uma vez que a figura do terceiro irmão, Miguel, tem pouca ação neste relato, ainda que ele talvez represente o meio; o equilíbrio que por si só, pelo tempo em que aceitou ser meio, aceitou também a mediocridade da temperança em tempo de urgência e clamor – Murat utiliza da criatividade para recompor o que não tem registro além de cartas. Para personificar um Heitor atribulado de juventude, chamou Caio Blat.

Excelente como costuma ser por ter sempre uma dedicação apaixonada pelo trabalho de atuar, Blat interpreta a vivacidade das palavras das cartas de Heitor. Interage contra projeções de imagens, cenários teatrais e traduz com intensidade esse personagem real. Alterna-se esta atuação iluminada com o próprio Heitor, dando depoimentos que deixam transparecer as consequências de sua juventude desmedida.

Habilidoso em lidar com a narrativa, Uma Longa Viagem é um documentário estimulante, que nos passa uma vivacidade incomum. Traduz um tempo e traz na melancolia de suas heranças não um aprendizado ou lição, mas o resultado da longa viagem de seus protagonistas. Por ser tão particular, humaniza. Por ser tão contextual com uma época, ilumina-a por um registro diferente. Há pouca amargura em suas linhas. É muito mais um testemunho e uma catarse da diretora. Ao compartilha-la com o espectador, transforma-a também em nossa própria catarse.
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Uma Longa Viagem
Lúcia Murat
Brasil, 2011
95 min.

Trailer

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