Hannah Arendt já era uma pensadora de prestígio em 1962
quando se ofereceu à revista The New
Yorker para cobrir, em Jerusalém, o julgamento do oficial nazista Adolf
Eichmann.
Foi a partir do julgamento de Eichmann, conhecido como o principal responsável por arquitetar a logística da chamada “solução final” – encarregada de exterminar judeus durante os anos de Hitler no poder –, que Arendt passou a formular seu pensamento para aquilo que ela viria a denominar de a “banalidade do mal”.
Hannah era uma judia que fugira para os EUA durante os anos
de perseguição na Alemanha, chegando ser presa em um campo de prisioneiros na
França ocupada. Na América, tornou-se uma respeitável pensadora e professora
universitária, tendo publicado obras importantes como As origens do totalitarismo (1951), A condição humana (1958) e Sobre
a Revolução (1963).
É a partir da decisão da pensadora, interpretada pela atriz Barbara
Sukowa, em presenciar e relatar o julgamento do “monstro” Eichmann, que o filme
Hannah Arendt inicia seu caminho em
retratar a coragem da escritora e o inferno que se tornou sua vida ao levar essa
coragem às últimas consequências: a publicação do artigo na revista e, depois, a
publicação do livro intitulado Eichmann
em Jerusalém.
Essa coragem está nas consequências que Hannah sofreu ao ter
a ousadia de não demonizar Eichmann como o monstro que todos queriam ver
descrito em suas palavras, especialmente a comunidade judaica. Para ela, o tal
monstro não era mais que um burocrata medíocre que cumpria suas ordens sem
refletir moralmente sobre suas consequências.
Para ainda maior descalabro da comunidade, Hannah não apenas
afirmava que não via Eichmann como um antissemita, como teve ainda a ousadia de
tocar em assuntos-tabus, como a colaboração de alguns judeus no extermínio de
seu próprio povo.
Ainda que ver o filme e conhecer este aspecto da história do
século 20 seja algo quase obrigatório, não se pode deixar de notar que, como narrativa
de cinema, Hannah Arendt resulta numa
obra burocrática, de amarração frágil e condução irregular.
Seus problemas como narrativa vão da obviedade exageradamente
sublinhada à construção sem resultado de uma memória em flashback. Muitas
vezes, a direção adota uma construção e encadeamento de quadros que lembram um
telefilme – lembrando que a diretora, Margarethe von Trotta, tem boa parte de
sua carreira na televisão. Nas vezes em que se busca um efeito cinematográfico
o resultado é artificial; ora deslocado, ora dramaticamente ineficiente.
Logo na abertura do filme, pode-se perceber uma abordagem
óbvia ao mostrar a protagonista, uma pensadora, pensando. Mesmo recurso
televisivo que ao final fecha a narrativa, semelhante ao desfecho de qualquer
episódio de telessérie. Além disso, dos enquadramentos à montagem, o filme
muitas vezes insiste em sublinhar o que deveria ser sutil.
Exemplo disso é o momento em que Arendt, observando Eichmann
durante o julgamento, tem o “click” para a compreensão daquilo que seria o
pilar de seu artigo. O que poderia ser algo sutil torna-se um exagero de
construção óbvia, com a câmera se aproximando da personagem, a música acentuando
o momento e a atriz, aparentemente, sendo instruída a mudar sua expressão. Tudo
isso para remeter o público a uma forçosa denotação de descoberta, de
revelação.
Do artificial, fica o modo como se constrói em flashback a
relação amorosa entre uma Hannah juvenil, ainda na Alemanha, e seu professor Martin
Heidegger (Klaus Pohl), 17 anos mais velho. A seriedade do quão escandaloso
seria para a época esta relação com um homem casado e professor universitário
passa ao largo dessa lembrança, assim como não se preenche nesses flashbacks
qualquer sentimento ou laço mais forte. Tudo fica no campo da burocrática
amostragem a conta-gotas.
A presença dessa memória no filme pretende reforçar o efeito
de uma cena perto do final, como se os flashbacks fossem a construção de um
sustentáculo para amparar no fim todo um sentimento de perda emocional e
sentimental a partir de um rompimento intelectual e político.
Contudo, apenas uma pequena parte desse sentimento é
alcançado, muito mais pela atuação de Barbara Sukowa do que pela pretensa
construção emocional da narrativa.
Ficam ainda arestas abandonadas sem maiores consequências,
como é o caso da secretária de Hannah, Lotte Köhler (Julia Jentsch). O filme
insiste em atribuir a ela uma devoção oblíqua, com momentos que vão da adoração
à tensão homoerótica. Mas deixa pelo caminho qualquer desdobramento dessa personagem.
Enquanto filme, Hannah
Arendt é uma experiência pobre, ainda que tenha o mérito de nunca descer ao
ponto de se tornar cansativo. Mas esse mérito talvez esteja mais na história
que o embasa do que nos seus atributos fílmicos. Mesmo assim, merece ser visto
como registro de um pensamento, o pensamento de Hannah Arendt, que provoca o
senso comum e instiga debates até os dias de hoje.
--
Hannah Arendt
Margarethe von Trotta
Alemanha/Luxemburgo/França, 2012
113 min.
Trailer
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