quarta-feira, junho 12, 2013

Família Vende Tudo


O que há de melhor em Família Vende Tudo é a impecável caracterização dos personagens. Só quem nasceu e cresceu na periferia de São Paulo pode atestar o acerto com que o filme representa esse universo. O modo de falar e de vestir; as casas, as ruas, as relações familiares e com os vizinhos. Nesse quesito, não se nota no filme qualquer “ruído” de artificialidade, algo comum em produções que se arriscam a reproduzir a atmosfera da periferia.

Uma família que vive de bicos e da venda de produtos falsificados vindos do Paraguai perde toda mercadoria em ações da polícia. Para pagar a dívida com o agiota do bairro, decidem tentar aplicar o golpe da barriga em um cantor de música brega. Para isso, utilizam a filha Lindinha (Marisol Ribeiro), fã do cantor e a única que, em raros momentos, parece sentir alguma culpa pelo que está fazendo.

É pelo campo da amoralidade que o diretor e roteirista Alain Fresnot faz transitar seu filme. Sem qualquer hesitação, todos se empenham em fazer lindinha engravidar do cantor e em extorquir dele algum dinheiro. Não há culpas e questionamentos, exceto para Lindinha.

A participação ativa do filho mais velho, evangélico praticante, funciona como ironia e provocação. Nesse terreno da amoralidade, o filme faz algumas piadas divertidas, brincando catarticamente com questões como a pirataria no cinema nacional e a invasão evangélica na televisão.

No entanto, o filme se perde a partir do meio da história. Isso porque envereda por um registro sem muito propósito, oscilando entre um romantismo de almanaque e tons de realismo fantástico.

Essa mudança faz com que a narrativa perca sua coerência interna que estava bem estabelecida até então. O que vinha sendo condizente e harmonizado em termos de proposta – como enredo, atuações, atmosfera e o deboche bem desenvolvido –, de repente se evapora na mudança de tom, que pouco se encaixa com o que foi estabelecido até ali.

O efeito lembra certos roteiros hollywoodianos, que se iniciam com originalidade e até ousadia, mas depois se rendem a uma mesmerização calculada e programada para manter o espectador na sua zona de conforto. É como se não pudesse ir além de certo ponto sem voltar logo para (e pelo) caminho bem conhecido e explorado.

Assim, o roteiro subitamente joga os personagens de Família Vende Tudo em situações nada convincentes. Percebe-se nesta mudança uma clara busca pelo esquemático roteiro das comédias românticas americanas, em geral previsíveis e insossas. A derrapada aqui é ainda pior, porque em alguns momentos envereda para um tipo de nonsense sem graça e sem justificativa, como um remendo destoante e precário.

Nessa derrapada, salva o filme do desperdício total seu mérito de declaradamente não se levar a sério, o que sempre ajuda a minimizar os equívocos. Mas não o bastante para fazer da experiência de assisti-lo algo suficientemente divertido. O que tem de bom, fica lá pela metade. Se tanto.
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Família Vende Tudo
Alain Fresnot
Brasil, 2011
90 min.


Trailer

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