É como se na tentativa de criar sutileza o diretor Diego
Lerman conseguisse apenas soterrá-la na metáfora óbvia do microcosmo que serve
de espelho da sociedade argentina naqueles anos ditatoriais.
A história se passa em um tradicional colégio de Buenos
Aires cujas normas disciplinares são mais que austeras. Para impedir que essas
normas se corrompam pela subversão, a regra é que se aplique sobre os alunos
uma permanente vigilância. Uma vigilância que vá além de um olhar perceptível e
se torne um olhar invisível, sempre atento a qualquer desvio.
Esse olhar invisível será personificado pela preceptora
Maria Teresa (Julieta Zylberberg), sob a supervisão e orientação de seu chefe,
Carlos Biasutto (Osmar Núñez).
Começa, aliás, na figura de Biasutto o desmanche de qualquer
sutileza. Isso se dá pela semelhança “de bigode” entre ele e o ditador Jorge
Rafael Videla, que compôs a junta militar que governou o país durante aquele
período e que morreu, no último dia 17, em sua prisão domiciliar, aos 87 anos.
Ele cumpria prisão perpétua por seus crimes como ditador.
Baseado no romance Ciencias
Morales, de Martín Kohan – que coassina o roteiro –, o filme reproduz os
dias neste colégio, em 1982, quando começam manifestações populares contra o
regime de governo.
Mas estas manifestações estão além-muro. Dentro, o colégio
segue como alegoria da rigidez desse regime, mas que por dentro dessa rigidez
evoca o desvio moral, desde o mais inofensivo até o mais brutal.
Desvios que sombreiam o sistema dentro do qual alunos,
professores e superiores nutrem entre si sentimentos e reações mal explicadas
ou claramente amorais. Frutos do desejo ou de uma necessidade de ruptura da
ordem sufocante? Nesta pergunta talvez reste alguma sutileza, mas não muita.
A premissa do enredo, assim como suas possibilidades de desdobramento,
são boas e o diretor, Diego Lerman se mostra aplicado na exploração desses
vieses. Faz da fotografia de tons neutros e frios o reflexo da instituição e dá
apenas um pouco mais de cor e calor nas cenas fora do colégio, que são poucas.
Seu olhar nada invisível, contudo, recai mais diretamente
sobre Maria Teresa. O desvio moral que cabe a ela interpretar é até leve
comparado ao de que será vítima. Contudo, sua austera vigilância se revelará
muito mais um ato de inocência, curiosidade e servidão à ordem do que um gesto
de sadismo ou maldade.
Mas, na construção desse personagem, o filme insiste em
replicar demais as particularidades de sua inocência autoritária, assim como
fazer dela e do colégio um reflexo da Argentina daqueles anos. Reflexo tanto da
ditadura quanto da insurgência iminente que resultará em conflito.
Tanto quanto o que há de óbvio nessa condução da trama, está
um desapego à protagonista, cuja postura, mesmo na intimidade, muito pouco
contribui para uma empatia com o espectador. Essa falta de empatia – aliada a
uma rotina que reforça além do necessário os pontos de contato entre o interior
do colégio e o âmago político de uma Argentina de momento –, servem para criar
uma narrativa que beira o cansaço, que flerta com a monotonia, para entregar um
final previsível em sua catarse.
Parece que lá, como aqui no Brasil, o expurgo do cinema com
as contas do passado de violências inomináveis de uma ditadura atroz segue
sendo uma necessidade recorrente. Bom que o seja, pois o horror da História
recente não deve ser esquecido ou amenizado na memória; nem lá, nem aqui. Mas
em ambos os lados parece que o mal que cerca essas produções é o mesmo: a falta
de sutileza e muito pouca criatividade.
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La Mirada Invisible
Diego Lerman
Argentina/França/Espanha, 2010
97 min.
Trailer
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