Uma garrafa atirada ao mar com uma carta dentro é o estopim
improvável de uma amizade entre uma judia adolescente em Israel e um jovem palestino
da faixa de Gaza. Um dispositivo bastante ingênuo para dar início a uma
narrativa. Mas essa ingênua simplicidade será como que um alicerce para o
desenvolvimento do filme, que rejeita a utopia sem abrir mão do sonho possível.
Uma Garrafa no Mar de
Gaza é um filme sobre diálogo, mas também sobre pertencimento. Tal Lavine (Agathe
Bonitzer) é uma judia francesa que se muda com os pais para Israel. Depois de
presenciar um atentado, despeja sua inconformidade em uma carta dirigida a
qualquer palestino de Gaza que a encontre. Atirada ao mar, a garrafa, com
mensagem e endereço de e-mail, vai dar numa praia e é encontrada por um grupo
de amigos.
Entre eles estará Naïm Al Fardjouki (Mahmud Shalaby). Órfão
de pai, ele vive com a mãe e trabalha com o primo como entregador. Escondido
dos amigos, que num primeiro momento zombam da carta encontrada, ele responde a
mensagem por e-mail.
O início dessa troca de mensagens é irônico. Enquanto Tal
quer verdadeiramente saber quem é esse povo que seu povo odeia, Naïm apenas
responde com ironias preconceituosas. Mas o fluxo de mensagens vai aos poucos
se estabelecendo pela troca verdadeira de histórias. Cada um conta a sua e se
inicia um diálogo, não sem as constantes variações de tom, com agressões e
destemperos.
Na construção desse diálogo, o filme é bastante falho em
trazer um bom aprofundamento de seus dois personagens. Talvez porque um de seus
problemas seja a demora em definir as motivações por trás de cada um. Apenas
pela metade do filme sabe-se mais da real condição da família de Naïm e sobre a
composição da família de Tal. São informações que ajudam a definir o caráter de
cada um, mas que demoram muito a serem apresentadas ao espectador.
Essa indefinição faz com que a trama patine um pouco por não
deixar claras as intenções e os fatores que movem (ou estancam) seus
protagonistas. Por outro lado, o filme trabalha bem na ambientação contrastante
entre os dois mundos. Em Gaza, nota-se a clara ausência de perspectivas para a
juventude, desinteressada do estudo e à mercê de Israel. Já a rotina de Tal é
cercada de confortos e de uma socialização, familiar e escolar, natural e
saudável. Mas em ambos permanece o medo de ataques e atentados.
Ainda que se construa sobre certa superficialidade, fica sempre
claro que o filme não tem a pretensão de estabelecer um debate refinado sobre o
tema Palestina/Israel. Os pontos mais evidentes estão lá, como o ódio, a
incompreensão, os argumentos básicos de ambos os lados, a violência e o medo.
Mas o filme se foca mais no diálogo e na questão do pertencimento.
Esta última questão transparece tanto no modo como Tal vai
se ajustando à cultura de Israel como no desejo e esforço de Naïm em sair de
Gaza. Há neste descompasso um sintoma que o filme tangencia com inteligência.
Ao estudar francês e tentar uma bolsa de estudo na França,
Naïm sinaliza que sua única opção de uma vida melhor é longe de sua terra. Já
Tal parece ter o pleno direito de se desenvolver e ter futuro, seja na França,
onde nasceu, seja em Israel, terra que hoje pertence a seu povo. Pincela-se com
isso uma mensagem provocativa, através da qual o palestino simboliza o não
pertencimento, um vácuo resignado no seu direito de pertencer.
Já a amizade construída entre Tal e Naïm, o filme não cai no
equívoco de fabricar uma relação forçada, com gestos de ampla aceitação. Em vez
disso, usa da ingenuidade de seu dispositivo para estabelecer uma mensagem do
que é possível, sem arroubo de desbragada esperança, mas preservando certo tom ingênuo.
Sem apelar para o discurso muitas vezes vazio do respeito e
da tolerância, mesmo na sua simplicidade consegue mostrar como a dinâmica da
intolerância parece ser uma engrenagem irreversível.
Menos ambicioso, o resultado é apenas aquela esperança típica
da juventude, de que com algum esforço pode-se chegar ao entendimento. Está aí sua
melhor qualidade. Ao enquadrar dois jovens (que têm sonhos, desejos e dúvidas),
restringe à esse universo as perspectivas de futuro, com tudo que há de ingênuo
e de boa vontade na juventude. Assim, abre mão de ser um filme político ou de
protesto, para ser apenas um filme jovem, cheio de boa vontade e com a devida dose
de sonho possível.
--
Une Bouteille à la Mer
Thierry Binisti
França/Israel/Canadá, 2011
100 min.
Trailer
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