As palavras, que no caso do filme tornam-se objetos e
elementos, seriam uma barraca de camping, um guarda-chuva, um bangalô, um
salva-vidas, um farol e uma francesa em visita ao litoral da Coreia. Todos
esses elementos se repetem nas três histórias do filme, interpretadas pelos
mesmos atores, na mesma locação.
Superficialmente, está aí a graça de A Visitante Francesa; do filme e da personagem, interpretada sempre
pela atriz Isabelle Huppert. Mas esta brincadeira, de aparente simplicidade e
leveza, trás na sua constituição um inteligente olhar do diretor sobre as
relações humanas, os deslocamentos (reais e internos) e a busca por
pertencimento.
Já no seu dispositivo inicial, o filme livra-se de qualquer
amarra do plausível para dar liberdade à imaginação, à ficção e,
principalmente, ao despojamento. Uma garota e sua avó estão hospedadas em um
balneário. Sabe-se apenas que estão ali à espera do desembaraço de um grave
problema financeiro causado por um tio da menina. Para passar o tempo, a jovem
decide rascunhar um roteiro para um filme. É a partir desse roteiro que vamos aos
personagens e aos elementos recorrentes das três histórias, três versões
rascunhadas de um roteiro.
Nas três situações, uma estrangeira é recebida no mesmo
hotel. Sendo essa visitante francesa, todos conversam em inglês e em diferentes
níveis de fluência e compreensão. Começa aí a muito sutil – e algumas vezes embaraçosa – dificuldade de comunicação.
Quando ninguém fala seu idioma nativo, há sempre um
estranhamento nas situações, uma hesitação, uma economia de palavras, ainda que
as emoções sejam amplas. Como serão ao logo das histórias.
Mas é na repetida retomada das histórias, naquilo que elas
tem de comum e de diferente entre si, que está a brincadeira e o reforço do
olhar de Sang-soo Hong sobre as relações e sobre a ficção. Sempre como uma
francesa chamada Anne, Huppert vive uma diretora de cinema, uma mulher casada em
fortuito encontro com o amante, uma mulher que foi abandonada pelo marido que a
trocou por uma coreana.
Anne se hospeda, passeia na praia, espera por alguém, lembra
passagens com amigos, encontra-se com um amante, consulta um monge budista,
despede-se, come e bebe. Mas são sempre “Annes” diferentes. Repetidamente, elas
pedem informações na praia sobre um farol. Há sempre ali um salva-vidas que
fala muito mal o inglês e não entende bem o que elas procuram. Entre eles,
sempre uma tensão sexual, com três destinos diferentes.
Cada Anne de cada história é um rascunho diferente de personagem,
mas todas repetem o mesmo encontro com o salva-vidas de inglês ruim, justamente
quando procuram por um farol. São todas estrangeiras, perdidas, buscando a
mesma coisa sem que o outro as entenda muito bem.
Além de muito sutilmente construir uma alegoria da
comunicação precária e das relações cujos sentidos se perdem na tradução dos
sentimentos, o diretor ainda decifra na sua simplicidade uma corrente sensação
de desencontro e desconforto.
Há sempre uma sombra de melancolia nas situações, disfarçada
sob os sorrisos e gentilezas exageradas que o ser visitante recebe. Uma
acolhida artificial, obrigatória. Uma permanente sensação de estar sem ser,
como parecem sempre as personagens de Huppert no filme. Estão ali, mas não são
dali. Não seria esta sensação um sentimento sorrateiro e permanente do
presente?
Sem precisar construir toda uma alegoria pretensamente
sofisticada, Sang-soo Hong desenvolve na leveza da simplicidade seu cinema
inteligente. Consegue ser brilhante sem precisar parecer. Faz de A Visitante Francesa um delicado
trabalho de camadas. Realiza-o como um filme de situações prosaicas,
despojadas na aparência, mas riquíssimas na forma. Por baixo dessas situações
transitam questionamentos e proposições instigantes. Tudo filmado com atenção e
apuro, mas sem exibicionismo ou pretensão.
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Da-reun na-ra-e-seo
Sang-soo Hong
Coreia do Sul, 2012
89 min.
Trailer
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