quarta-feira, abril 17, 2013

A Caça




Qualquer um com alguma rodagem em filmes de tribunal poderá perceber a manipulação da menina Klara (Annika Wedderkopp) ao ser indagada sobre abusos sexuais. Mas ali, na sala da diretora da escola infantil, não há nenhum advogado de defesa pronto a exclamar: “Protesto, Meritíssimo!”. Isso porque em casos de suspeita de pedofilia, jamais se ouvirá protestos em defesa do réu.

A Caça, do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg, toca num assunto delicado com uma ótica sensata e incômoda. No filme, a cena da inquisição de Klara, garotinha de apenas quatro anos, serve como um preocupante sintoma do medo, quando se prefere acreditar no horror do que duvidar dele. Nasce daí, dentro da história, afirmações disparatadas, como a de que crianças não mentem.

Pois elas não só mentem como podem também fazê-lo por pura maldade. No caso da garotinha do filme, uma maldade cujas consequências ela não pode avaliar e que nasce de sua própria cofusão de sentimentos e rejeição. Daí ela acusar um funcionário da creche, Lucas (Mads Mikkelsen), de ter abusado dela. Uma acusação de graves consequências, especialmente em uma pequena comunidade onde todos se conhecem e são amigos.

Lucas é o único homem que trabalha na creche, vive sozinho desde que a mulher o deixou e demonstra gostar muito das crianças. Há nesse seu perfil um princípio do preconceito velado. Em tempos de paranoia, qualquer detalhe fora do socialmente esperado pode ser alimento para novos preconceitos.

Da sutileza no perfil do personagem os desdobramentos da acusação, Vinterberg explora em seu filme não apenas a irracionalidade, mas também o despreparo para se lidar com medo. Um medo que tem pautado pesadelos de muitos pais nos últimos anos diante da divulgação de casos de pedofilia.

Quando a acusação é feita, inicia-se a escalada desse medo, que leva ao irracional e à violência. Bastou o estopim e o que deveria ser uma suspeita a ser investigada com cautela logo se transforma em distorcidas certezas. Não há espaço para nada, nem diálogos, nem contestação. Uma vez acusado, o homem ganha seu estigma e não se livra mais dele.

Ao deixar clara a inocência de Lucas, o diretor mostra como o temor premente contamina tudo com ódio. Como veneno na corrente sanguínea, o ódio se espalha, fazendo com que as reações cada vez mais deixem de ver o ser humano para enxergar somente o monstro imaginado. Uma hipnose coletiva.

A Caça fala desse julgamento implícito e consensual, baseado mais no medo do que na avaliação dos fatos. Expõe a irracionalidade que afeta muito do nosso mundo, acuado no terror de uma realidade nem sempre clara, mas sempre assustadora. Na sua construção, o filme alerta para os perigos de um sentimento paranoico que pode envolver a todos, fazendo com que a imaginação perversa dos adultos seja muito mais grave (e estúpida) do que a imaginação maldosa das crianças.

Revela, acima de tudo, que julgamentos apressados e destemperados podem destruir a vida de inocentes. Porque em casos como o do filme, não basta nem a inocência, nem o tempo para apagar a mancha de uma acusação. Nesse cenário, sem que se perceba, tudo acaba sempre destruído e uma vez destruído, nada será como antes.
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Thomas Vinterberg
Dinamarca, 2012
115 min.

Trailer

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