A Caça, do diretor
dinamarquês Thomas Vinterberg, toca num assunto delicado com uma ótica sensata
e incômoda. No filme, a cena da inquisição de Klara, garotinha de apenas quatro
anos, serve como um preocupante sintoma do medo, quando se prefere acreditar no
horror do que duvidar dele. Nasce daí, dentro da história, afirmações
disparatadas, como a de que crianças não mentem.
Pois elas não só mentem como podem também fazê-lo por pura
maldade. No caso da garotinha do filme, uma maldade cujas consequências ela não
pode avaliar e que nasce de sua própria cofusão de sentimentos e rejeição. Daí
ela acusar um funcionário da creche, Lucas (Mads Mikkelsen), de ter abusado
dela. Uma acusação de graves consequências, especialmente em uma pequena
comunidade onde todos se conhecem e são amigos.
Lucas é o único homem que trabalha na creche, vive sozinho
desde que a mulher o deixou e demonstra gostar muito das crianças. Há nesse seu
perfil um princípio do preconceito velado. Em tempos de paranoia, qualquer
detalhe fora do socialmente esperado pode ser alimento para novos preconceitos.
Da sutileza no perfil do personagem os desdobramentos da
acusação, Vinterberg explora em seu filme não apenas a irracionalidade, mas
também o despreparo para se lidar com medo. Um medo que tem pautado pesadelos
de muitos pais nos últimos anos diante da divulgação de casos de pedofilia.
Quando a acusação é feita, inicia-se a escalada desse medo,
que leva ao irracional e à violência. Bastou o estopim e o que deveria ser uma
suspeita a ser investigada com cautela logo se transforma em distorcidas
certezas. Não há espaço para nada, nem diálogos, nem contestação. Uma vez acusado,
o homem ganha seu estigma e não se livra mais dele.
Ao deixar clara a inocência de Lucas, o diretor mostra como
o temor premente contamina tudo com ódio. Como veneno na corrente sanguínea, o
ódio se espalha, fazendo com que as reações cada vez mais deixem de ver o ser
humano para enxergar somente o monstro imaginado. Uma hipnose coletiva.
A Caça fala desse
julgamento implícito e consensual, baseado mais no medo do que na avaliação dos
fatos. Expõe a irracionalidade que afeta muito do nosso mundo, acuado no terror
de uma realidade nem sempre clara, mas sempre assustadora. Na sua construção, o
filme alerta para os perigos de um sentimento paranoico que pode envolver a todos,
fazendo com que a imaginação perversa dos adultos seja muito mais grave (e
estúpida) do que a imaginação maldosa das crianças.
Revela, acima de tudo, que julgamentos apressados e
destemperados podem destruir a vida de inocentes. Porque em casos como o do
filme, não basta nem a inocência, nem o tempo para apagar a mancha de uma
acusação. Nesse cenário, sem que se perceba, tudo acaba sempre destruído e uma
vez destruído, nada será como antes.
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Jagten
Thomas Vinterberg
Dinamarca, 2012
115 min.
Trailer
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