sábado, fevereiro 09, 2013

Nota de Rodapé

Nota de Rodapé é um filme que transita da comédia para o drama. Mas essa transição nunca abandona sua graça, preserva seu tom cômico, ao mesmo tempo em que vai temperando a narrativa com certa gravidade. Esse misto de graça e gravidade pode ser notado já nas cenas iniciais. Vê-se que na casmurrice do professor Eliezer Shkolnik (muito bem interpretado por Shlomo Bar-Aba) uma dose de humor rabugento, mas em seu olhar nota-se algo mais do que simples irritação. Há ali uma mal disfarçada melancolia.

Eliezer é professor da Universidade de Israel e há mais de 30 anos estuda o Talmude, o livro sagrado das leis judaicas que é permanente objeto de estudos acadêmicos. Seu filho, Uriel Shkolnik, também seguiu carreira acadêmica como estudioso do Talmude. Mas adotou linhas de pesquisas diferentes da do pai.

Com diversos livros publicados e reconhecimento intelectual, Uriel alcançou mais prestígio acadêmico que o pai, cujo grande orgulho na vida é ter sido citado em uma nota de rodapé de um grande pesquisador.

Mais do que o desconforto com seu ostracismo em comparação com o prestígio do filho, há um acontecimento do passado que afeta profundamente Eliezer. Quando estava prestes a publicar o resultado da pesquisa de toda sua vida – uma teoria que sacudiria o mundo acadêmico – ele viu seu trabalho desperdiçado quando outro pesquisador, totalmente por acaso, descobriu antigos manuscritos que confirmavam sua tese. O outro pesquisador publicou antes e ficou com os louros da descoberta. O que contribui para Eliezer ser posto de lado no mundo acadêmico.

Nota de Rodapé trabalha, inicialmente, esse ressentimento de um homem frustrado com a vida. Mas à medida que se desenvolve, revela um caso de complicada relação entre pai e filho. Isso porque Eliezer considera os temas estudados pelo filho tolos e superficiais se comparados com suas próprias pesquisas.

Ao se aproximar dessa tensa relação entre pai e filho, o filme fará sua transição ao mudar seu enfoque para Uriel, quando este terá de resolver uma grave confusão criada por um comitê acadêmico envolvendo ele e o pai. A partir daí a trama colocará sobre o filho o peso de uma decisão cujas consequências poderão afetar sua carreira e a já complicada relação com o pai.

A excelência do roteiro de Nota de Rodapé está em tramar uma série de complicações que, além de intensificarem a relação familiar, revelarão os brios muitas vezes infantis presentes nas vaidades e intrigas acadêmicas. Na decupagem desse roteiro, a direção de Joseph Cedar mostra competência em uma refinada passagem da quase de comédia para um desfecho intenso e, sob alguns aspectos, até pessimista.

Com bastante habilidade, o filme atravessa alguns dilemas éticos. Seus personagens são sempre um misto de vítima e causa da situação embaraçosa que se veem. Assim, Nota de Rodapé se mostra como um conto de humor de implicações sérias, que de tão bem amarradas e passíveis de serem reais revelam a comicidade daquilo que se leva muito a sério.

Por baixo desse verniz cômico, há uma história de relação entre pai e filho. Nesse aspecto, vê-se o espelho natural que surge dessa relação. Um jogo de reflexo em que cada lado se vê no outro e sente nesse jogo certo fascínio de vaidade, mas também um indisfarçável desconforto.
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Hearat Shulayim
Joseph Cedar
Israel, 2011
103 min.

Trailer

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