terça-feira, fevereiro 05, 2013

A Hora Mais Escura


Nas mais de duas horas e meia de A Hora Mais Escura, sua protagonista Maya (Jessica Chastain), uma agente da CIA à caça de Osama Bin Laden, nunca fala em capturar o terrorista. Seu objetivo é somente um: matar o líder da Al-Qaeda. Está aí uma obsessão de morte que pode ser vista como espelho, no qual Maya se torna o reflexo daquilo que caça. Em seu terninho preto, dispondo de amplo aparato logístico e usando técnicas de tortura, ela personifica uma versão ocidentalizada do jihad islâmico. Não quer ser apenas o escudo que defende, mas principalmente a espada flamejante que vinga os mortos da nação.

A personagem Maya, que Jessica Chastain interpreta com devotado equilíbrio, é o elemento do filme sobre o qual recai o peso de refletir a América em guerra contra o terror. Logo no início, vemos seu desconforto diante de uma sessão de tortura. Mas esse desconforto não impede que mais adiante ela mesma se mostre dura com o sofrimento do prisioneiro, por saber que ele tem a informação que ela precisa. Uma atitude determinada que passa por cima do desconforto e revela o abismo moral de sua conduta.

Depois de levar seis Oscars em 2010 com seu Guerra ao Terror (incluindo melhor filme e melhor direção) a diretora Kathryn Bigelow abandona o olhar aproximado do filme anterior, no qual dissecava a rotina e o drama de soldados de um esquadrão antibombas no Iraque. Desta vez, Bigelow adota um olhar distanciado. Recorre a uma neutralidade que flerta com o documental e recompõe os fatos que envolveram a caçada e morte de Osama Bin Laden.

Esta opção por uma narrativa fria, em tom documental, se mostra conveniente e ao mesmo tempo problemática. Na polêmica causada pelas cenas de tortura, o distanciamento permite à diretora e ao filme eximirem-se da emissão de qualquer juízo de valor, o que é bastante conveniente. Por outro lado, a frieza da narrativa acentua uma certa prolixidade no desenrolar da trama, tornando o filme longo, muitas vezes cansativo.

Na sua prolixidade, o filme tentar dar conta de um minucioso relato sobre a operação. Enquanto documento, funciona como um registro que mapeia não apenas a caçada, mas a estrutura por trás dessa caçada. Hierarquias, incertezas, políticas internas e pistas que não deram em nada. Tudo isso está perfeitamente mapeado pelo filme. Contudo, nota-se que há um cabo de força mal resolvido entre seu lado documental e seu lado narrativo-ficcional.

Este cabo de força se mostra mais ressonante na montagem, que tem momentos burocratizados ou pela fidelidade aos acontecimentos ou pela necessidade de dar ao filme uma fluidez de narrativa ficcional. Nesse aspecto, A Hora Mais Escura mostra alguma dificuldade em situar o espectador nas constantes mudanças de locais em que se passa a ação. O mesmo acontece na questão temporal, ainda que o filme não recorra a flashbacks. Ao englobar em sua narrativa dez anos de investigações, muitas vezes a percepção desse tempo é dificultada pela montagem que precisa se apressar.

Um exemplo dessa deficiente amarração temporal está numa sequência em que agentes tentam localizar um suspeito através do seu sinal de celular. É elementar, pelos diálogos entre os agentes, que toda a operação levou meses para ser concluída. No entanto, a montagem realizada passa ao espectador uma sensação de poucos dias, o que causa certa discrepância entre o que se vê (a sensação de temporalidade que a imagem deve passar) e o que se sabe através dos diálogos.

Há também um número razoável de cenas que não contribuem para o andamento do filme. Servem, algumas vezes, para tentar criar empatia com algum personagem. Há nisso um clara discrepância, um contraste com o tom frio adotado pelo filme. Parecem mais uma vacilo da direção em se manter tão impessoal quanto a seus personagens.


Mesmo com uma estrutura falha e se eximindo de assumir posição ante a tortura praticada pelo governo, A Hora Mais Escura é um importante registro de um momento histórico. Expõe detalhes da caçada ao mentor dos ataques de 11 de setembro e revela também o espírito americano por trás dessa caçada. Nesse último aspecto, a atuação de Chastain como a agente Maya tem uma sobriedade aguda, uma contenção emocional que nos livra de qualquer exagero desnecessário. Há nela uma força obstinada, destituída de heroísmos sentimentais, apenas implacável no seu objetivo de encontrar e matar um homem.

A cena final, que pode dar a impressão de humanizar esta protagonista para além de sua obsessão em matar Osama Bin Laden, é um ótimo reflexo daquilo que Maya simboliza, ainda que muito sutilmente. Há algo de humano em sua reação, o natural reflexo de um peso que se dissipa. Mas também há algo de esvaziamento, de jornada que termina sem significado. O que parece ser alívio pode ser também o surgimento de um vácuo. Um vazio a ser preenchido. Como preenchê-lo talvez seja a grande questão que o filme apresenta para a nação que finalmente vingou seus mortos.
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Zero Dark Thirty
Kathryn Bigelow
EUA, 2012
157 min.

Trailer

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