Enquanto artigos em jornais, textos acadêmicos e mesas de sociologia discutem o Brasil econômico e social recente, Kleber Mendonça Filho fez um filme. E ao realizar seu primeiro longa de ficção, o diretor conseguiu algo muito simples: desenhou para que a gente entendesse. Esqueça tanto palavreado: vá ver O Som ao Redor. Porque ali, de forma simples, está contido quase tudo.
Porém, detrás dessa simplicidade aparente, está construído um universo
cheio de cotidiano, através do qual se revela nas entrelinhas uma
complexidade e uma visão apurada, inequívoca, do que é, do que está se tornado, e
de onde vem nossa nova e velha sociedade pequeno-grande classe média.
O filme, engenhosamente, parte do restrito universo de uma rua de Recife para desenhar, com sintomas e sutilezas, a cara nossa de cada dia. Está ali a mesquinhez, o medo onipresente, o consumismo, as relações de pequeno poder, a ascensão social “disfuncionalizada” no enclausuramento em si próprio – e expressa, magistralmente, na cena de indignação por se receber sua revista semanal fora do plástico. Detalhe na amplidão do filme, mas sintoma de uma visão estreita da vida.
A rua é a mesma na qual o diretor mora e embora os
personagens sejam fictícios, os sons que permeiam todo o filme são os sons da sua realidade. São esses sons ao redor que abraçam os diversos
microcosmos dos personagens, reintegrando a fragmentação e dando ao particular
uma estrutura de todo.
Não há uma trama central. O filme passa pelo cotidiano de algumas famílias, universos que se cruzam frequentemente, embora
nunca de forma forçada ou reforçada pelo óbvio. O óbvio existe, está ali, não
precisa ser sublinhado.
Há em tudo, no detalhe e até no absurdo,
uma sutileza que cresce com o filme, transformando o cotidiano em desconforto.
O desconforto torna-se perturbador e o resultado é um absoluto, porém subliminar,
terror. Um terror muito pior do que aquele que assusta, pois muitas vezes leva
ao riso. Mas é aquele riso nervoso de ver-se espelhado no medo, de saber-se
envolto, e também parte, do mesmo terror.
De uma rede lenta e habilmente construída pela montagem e
ritmo coerente, revela-se uma estrutura sorrateiramente perniciosa. Vai da
desesperança especulativa ao patriarcalismo indissolúvel, do cinismo nosso de
cada dia a uma urgência em SER pelo que se tem ou pelo que se PODE. Disso
resulta o vazio e o tédio, vultos de uma vaidade mal compreendida. Resulta
também o contraste, a permanência do velho no novo. E tudo amarrado sob um arco
cujo desfecho surpreende e amarra com clareza.
O leque de abordagens que O Som ao Redor permite é extenso. Não cabe num texto, não cabe numa
noite de discussão. O que cabe dizer é que não é filme para entreter, mas para
fazer pensar, sem que isso incorra nalgum tipo de hermetismo ou simbologia,
feito apenas para iniciados em cinema, geralmente amigos do diretor.
Em O Som ao Redor,
Kleber Mendonça Filho é universal, amplo e específico ao mesmo tempo. Revela-nos
com clareza, mas também com entrelinhas. Ao fazê-lo, nos permite entender e
também não entender, porque a dúvida não deixa de ser uma forma de entendimento, ou
pelo menos de estímulo a quem não tem preguiça de pensar.
Antes de tudo, nos permite sentir e ouvir o som avassalador que
vem crescendo ao nosso redor. Mostra que tem alguém ouvindo, e que já é tempo
de deixarmos de nos fazermos de surdos.
--
O Som ao Redor
Kleber Mendonça Filho
Brasil, 2012
131 min.
Trailer
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