Dizem por aí que o novo filme do diretor iraniano Abbas
Kiarostami não é para público preguiçoso, uma vez que ele abre mão da narrativa, deixando-a por conta e esforço de quem vê. Mas nada impede o público de, por
seu lado, afirmar que o preguiçoso na verdade é o diretor, que quer filmar
bonito, mas tem preguiça de contar uma história.
Um Alguém Apaixonado
se passa no Japão e é falado em japonês. Quem acompanha a trajetória do diretor
sabe que, a exemplo de Wood Allen, ele tem realizados filmes “internacionais”,
ambientados fora do Irã. O anterior, Cópia
Fiel, ambientado na Itália, já denunciava o esforço de Kiarostami em
abandonar o narrativo e colocar o público na condição de imaginar o que, de
fato, se passa.
Se em Cópia Fiel a
atriz francesa Juliette Binoche conduzia um jogo de cena armado sobre artifícios
de simulacro e verdade, agora é a retração tímida da atriz japonesa Rin Takanashi
que conduz a sutil linha pseudonarrativa. Mas assim como em Cópia Fiel e agora de forma mais clara, é
também o artifício da simulação que dá o tom e realiza o drama que se passa na
tela.
A verdade é que pouco importa se o público é preguiçoso ou
se o diretor foi preguiçoso, pois o que conta é a forma brilhante com que Kiarostami
trabalha os elementos que dispõe na tela.
Se não há uma história, se não há um antes ou depois que nos
conecte ou que explique os personagens, isso importa menos do que a construção
habilidosa de um drama sem a construção de uma narrativa. Está aí o brilho de Um Alguém Apaixonado: não se mover
narrativamente e mesmo assim nos fazer entender seus personagens e com eles nos
identificamos.
Sem prólogo ou epílogo, somos lavados do meio para um não
desfecho. Sabemos que Akiko é uma acompanhante de luxo, que gostaria de
encontrar a avó que a espera na estação de trem, mas tem que atender um
cliente. O cliente é um professor aposentado que deseja apenas um jantar
agradável com alguma companhia. Akiko tem também um namorado ciumento, com
tendências impulsivas.
A partir desse jogo de personagens, Kiarostami monta uma
pequena comédia de erros que guarda por trás do riso calmo uma sensibilidade e
um sentido de solidão. Mas também revela, através do simulacro a que serão forçosamente
submetidos, a fragilidade de suas realidades e o desejo de enganar ou de ser
enganados. Não por prazer ou maldade, mas para que se “finja” a vida como esta
poderia ser se não fosse tão real e triste para cada um deles.
Na construção das situações, os personagens trocam diálogos
afinados e o diretor os coloca em um jogo de cena brilhante, em que mesmo
dentro de um carro o modo de filmar, a relação de planos, a construção da
tensão cênica é possível. A maestria de Kiarostami está nos detalhes, no modo
inteligente com que filme e cria uma desconfortável tensão cômica através de pequenos
gestos, diálogos e sons.
Desde um micro-ondas apitando intermitente o anúncio do fim
de uma operação tão banal como esquentar um copo de leite, até o ruído de um
movimentado bar, passando pelo gesto de se prender o cinto de segurança, cada
um desses detalhes, como tantos outros, contribui amiúde para um jogo cênico
que constrói tensão e estabelece relações e aspectos dos personagens.
O fato de haver ou não história, o fato de o fim ser tão
aberto quanto o início importa menos que o modo como o diretor estabelece um
sentido para cada personagem. Talvez seja um exibicionismo preguiçoso do
diretor mostrar-se tão brilhante em filmar sem nos entregar uma história
narrativa. Talvez sejamos nós, o público, os preguiçosos que querem sempre algo
mais mastigado e formalmente familiar.
Seja como for, este novo Kiarostami pode ser uma boa
oportunidade para se aprender o prazer de sair de uma sessão de cinema com mais
dúvidas que certezas. Uma oportunidade pensar antes de simplesmente absorver.
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Like Someone in Love
Abbas Kiarostami
França/Japão, 2012
109 min.
Trailer
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