sábado, novembro 26, 2011

Assalto em Dose Dupla



 Flypaper
Rob Minkoff
Alemanha/EUA, 2011
87 min.

Deixe a verossimilhança de lado caso queira se divertir um poço com Assalto em Dose Dupla. Embora não entre de cabeça no nonsense, o filme passa raspando em alguns momentos. Não se trata aqui do argumento, uma vez que na comédia se podem abrir as portas do absurdo para nos fazer rir. O problema é que o roteiro criar algumas situações que não colam muito bem, mesmo dentro da estrutura cômica do filme.

Uma equipe de três assaltantes, treinados e com equipamento tecnológico de ponta, invade uma agência bancária para roubar o cofre. Ao mesmo tempo, uma dupla de ladrões rasteiros e caipiras entra para roubar os caixas eletrônicos. Quando anunciam o assalto ao mesmo tempo, surpresos, iniciam um grosso tiroteio. Quando as balas cessam por um instante, os assaltantes são convencidos por um dos reféns a roubarem o banco juntos, sem atrapalharem o trabalho um do outro. Como num acordo de cavalheiros.

O refém que dá a sugestão chama-se Tripp (Patrick Dempsey). Ele sofre de um distúrbio de atenção que o faz notar, memorizar e analisar cada detalhe do que vê. Essa obsessão piora por ele estar sem seus remédios. Isso o faz agir como um Sherlock Holmes. Ele passa então a desconfiar que uma série de coincidências desse assalto inusitado não sejam apenas obras do acaso, mas parte de um plano conspiratório. Sem poder se controlar, fará de tudo para descobrir mais pistas que comprovem sua louca teoria, enquanto é mantido refém com outras pessoas.

Entre a ação e os diálogos iniciais, o filme segue bem. O velho humor de situações malucas com personagens esquisitos tendo conversas improváveis funciona. Isso graças à agilidade das falas e uma bem amarrada adição que não deixa tempo para que se perceba os furos da situação. A boa contribuição desse inicio engraçado vem dos ladrões, cuja distância entre profissionalismo e estupidez cria uma boa sequência de cenas.

Essas qualidades vão se diluindo à medida que a trama desloca seu eixo para os reféns e para a figura de Tripp e da caixa do banco Kaitlin (Ashley Judd). Estes formarão o inevitável par “romântico” da história. Funciona mal o filme sob esse eixo pela falta de carisma de ambos atores e por uma completa ausência de sintonia entre eles. Mas o que de fato compromete são as ações que o roteiro destina a eles. São os momentos em que o filme chega muito perto do nonsense, quando mesmo dentro da situação absurda que vivem fica difícil engolir suas ações e a falta de consequência para elas.

Quando a trama se embaraça por um misterioso plano de queima de arquivo, com mortes acontecendo como num suspense, a graça e a comédia já deixaram o filme há muito tempo. Piora muito na hora do desfecho, quando as explicações criam um embaraço muito maior, apresentando um plano que de tão complicado não é apenas difícil de engolir é difícil até de entender.
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terça-feira, novembro 22, 2011

Apenas o Fim


Apenas o Fim, trabalho de estreia do diretor Matheus de Souza, é um filme sobre o fim de um relacionamento, e nada mais. Por isso, talvez, seja tão bom, já que dessa simplicidade de ruptura nasce uma iluminada viagem para dentro daquilo que se perde quando a vida acontece. Algo intangível e inestimável, que pode ser chamado de sonho, esperança, frescor da juventude, otimismo ou ingenuidade. Talvez a soma de todas essas coisas e algo mais, algo ainda sem definição e cuja perda não representa o fim, mas a continuidade.

Numa manhã cotidiana, Tom (Gregório Duvivier) encontra sua namorada, interpretada por Erika Mader, na faculdade onde estudam. Ela diz que está indo embora. Ele diz que tudo bem, que está atrasado para uma prova e depois telefona para ela em casa. Mas logo ele percebe que ela quer dizer outra coisa. Que está indo embora para sempre, para outro lugar e que eles só têm mais uma hora juntos.

No restante de sua duração, Apenas o Fim se alterna entre fragmentos da conversa final do casal e fragmentos de suas lembranças juntos. De pedaço em pedaço, vai-se construindo um colorido mosaico de memória e conversas aparentemente irrelevantes, mas que revelam na sua falsa banalidade um universo rico de sentimentos, rico de significados oblíquos, que são aqueles que compõem a memória e a partir dela se reconhece as paixões, os desenganos e os sonhos da vida, perdidos ou vindouros.

Há em Apenas o Fim e seus diálogos uma irresponsabilidade repleta de oxigênio, carregada de uma graça que só a certeza do futuro pode criar. O tipo de certeza do futuro que só é reservada aos jovens. Pois é justamente esse frescor colorido, salpicado pela dor da separação e amenizado pela certeza do futuro, o grande achado do filme.

Não que seja original. Há na sua construção uma influência clara do filme Antes do Amanhecer (1995): os planos sequência, o casal caminhando e conversando, os diálogos frívolos surgidos em meio a uma conversa mais séria, a urgência de um tempo juntos que está por terminar.

Mas ao contrário do clássico dos anos 90, esta versão nacional trata de algo que está terminando, não de um tateio por algo que pode começar. Isso faz toda diferença, uma vez que a memória, inserida em esquetes durante a despedida, conta muito na construção de uma relação, mas conta principalmente na caracterização do descompromisso.

É o descompromisso, a certeza do incerto que vem adiante, somado a uma afinada sintonia entre os atores e bons diálogos, que faz do filme uma agradável experiência. Embora carreguem o peso inevitável da gravidade de uma separação, esse peso jamais adquire o tamanho de uma tragédia ou de um drama arrastado. Trata-se somente de uma despedida meio amarga, amenizada, inadvertidamente, pela certeza do porvir. Trata-se apenas do fim. Daquela dor meio baça entre a perda e a renovação, entre o olhar para trás com o coração apertado e caminhar para frente com o peito aberto.
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Apenas o Fim
Matheus de Souza
Brasil, 2008
80 min.

Trailer

Pronto para Recomeçar




Everything Must Go
Dan Rush
EUA, 2010
97 min.

Quem se deixar levar pela figura de Will Ferrel no cartaz de Pronto para Recomeçar pode se decepcionar com o filme. Não porque o filme seja ruim, mas porque não é uma comédia. A confusão é pertinente, uma vez que Ferrel é uma figura ligada à comédia desde sua estreia na TV, no programa Saturday Night Live. E embora já tenha vivido papeis mais ou menos sérios no cinema pode ser difícil para o grande público dissociá-lo de seus personagens em comédias como Dias Incríveis ou O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy. No entanto, quem for preparado para um drama com notas harmoniosas e textura na densidade certa, pode sair da sessão recompensado.

Ferrel interpreta Nick Halsey, um sujeito que após ser demitido do trabalho por problemas com bebida, chega em casa e descobre que sua mulher o deixou. Mas antes de partir, ela espalhou pelo gramado da casa todas as coisas dele e trocou as fechaduras para que ele não pudesse entrar. Diante de um gramado atulhado de quinquilharias, o que Nick faz é sentar-se em sua poltrona e beber uma cerveja atrás da outra. Dia após dia.

Nick se entrega à total apatia diante do desastre que se tornou sua vida. Ver-se rodeado por inúmeros objetos que colecionou ao longo dos anos é como um reconforto de normalidade. Por outro lado, o significado que a maior parte desses objetos tem para Nick é nulo. Sem pensar a respeito, ele não percebe que o vazio de sua existência não é recente, mas uma jornada sem significado que já vem de longo tempo. Algo que ele talvez nunca perceba de forma clara, mas apenas pressinta através dos personagens que orbitarão sua condição surreal.

Um desses personagens é Kenny (Christopher Jordan Wallace), um garoto negro e gorducho que ronda a vizinhança em sua bicicleta. Deixado só pela mãe na maior parte do tempo, Kenny é esperto e introspectivo. Ele aceita trabalhar para Nick, cuidando das coisas enquanto ele vai até a loja de bebidas repor seu estoque de cerveja. Depois, passa a etiquetar os pertences espalhados no gramado, afim de dissimular uma liquidação de garagem, único meio de Nick continuar vivendo no gramado sem ferir as leis do município.

Não há objetivo aparente na vida de Nick. Ele não faz planos, não pensa em arrombar a porta e entrar em sua casa, não pensa em se mudar para um hotel, ir atrás da esposa ou qualquer outra coisa. Sua permanência ao lado de objetos de tão pouco valor afetivo é a melhor representação de seu estado catatônico. Como alguém que desistiu de viver, mas não se desprende da vida.

É nessas circunstâncias que conhece Samantha (Rebecca Hall), sua nova vizinha. Visivelmente grávida, ela é uma professora de fotografia cujo marido foi transferido para a cidade, embora não tenha vindo com ela. Compadecida pela situação de Nick, ela se aproxima dele, sem tentar interferir ou aconselhar. Além dela e do garoto, o único amigo que Nick parece ter é um policial amigo dele e da esposa.

Pronto para Recomeçar é o filme de estreia de Dan Rush, que dirige esta história de desistência e apatia. Com uma registrada marca de cinema independente (discreta trilha sonora, pouca movimentação dos personagens e o humanismo das relações se sobrepondo a qualquer ação), Rush consegue criar uma atmosfera de estagnação que envolve todos os personagens. Ao fazê-lo, preenche a narrativa com um tom preciso entre a densidade de um drama triste e a leveza de uma história humana. Sem melodramas, sem exagero, no ponto certo.

Como uma fábula triste, cercam Nick pessoas cujas vidas estavam tão estagnadas quanto a dele próprio, sentado em seu gramado tomando cerveja. Ele, de alguma forma, consegue fazê-las se moverem e, sem grande alarde, darem um passo a frente. Algo que ele só poderá fazer muito depois, quando perceber que é hora de deixar as coisas irem. Quando finalmente deixar que as coisas partam.
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quinta-feira, novembro 10, 2011

Os 3



Nando Olival
Brasil, 2011
78 min.

Ao abrir seu filme descrevendo o óbvio significado das palavras amizade, amor, paixão e tesão, o diretor Nando Olival nos lança de imediato um desnecessário clichê. Estreando na direção solo (ele codirigiu o longa “Domésticas”, ao lado de Fernando Meirelles), Olival se deixa levar por muitos lugares-comuns, que se repetem ao longo do filme, prenunciados desde a abertura.

É o caso, por exemplo, da narração feita por Rafael (Victor Mendes). Uma muleta explicativa que abre e pontua a narrativa com excesso de didatismo, explicando com alguma verborragia o que já está claro (ou poderia estar) na tela, através das imagens.

Recém-chegado a São Paulo para cursar a universidade, Rafael conhece em uma festa Camila (Juliana Schalch) e Cazé (Gabriel Godoy). Também vindos do interior para estudar, entre eles apenas Cazé tem lugar definido para morar. Ele alugou o segundo andar de um velho prédio industrial desativado, no centro da cidade. Com espaço de sobra, convida os dois para morar com ele.

Uma regra é criada logo de início: durante os quatros anos de estudos não poderão se relacionar entre si. Com a concordância de todos, seguem vivendo juntos. Rafael, como narrador, vai explicando os altos e baixos da convivência até chegarem ao último ano. É quando apresentam um trabalho de conclusão que propõe um reality show online com vendas em tempo real. Um empresário que assistia à apresentação convida os três a realizarem o projeto com eles mesmos como participantes.

Os três resistem à ideia de início, mas acabam aceitando. Para aumentar a audiência do programa, criam por conta própria um roteiro para interpretarem diante das câmeras. Surgem então falsas intrigas, brigas e um inevitável triângulo amoroso. Porém, com sentimentos reais em jogo, os três passam a ter dificuldade em diferenciar o que é real e o que é simulação.

A boa química entre os três atores deixa os diálogos espontâneos, com naturalidade e fluidez. Mas não bastam para salvar o filme, que se perde nas inconsistências do roteiro, com uma pretensão de crítica à televisão que não se sustenta muito bem. Com os muitos clichês e um final bobo, o filme se torna uma colagem de ideias interessantes desperdiçadas pelo roteiro fraco.
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Late Bloombers – O Amor Não Tem Fim




Late Bloomers
Julie Gavras
França, Bélgica, Reino Unido, 2011
95 min.

Uma comédia romântica da terceira idade. A própria diretora Julie Gavras nunca renegou este rótulo a seu novo filme, o segundo de sua carreira, que começou promissora com o divertido e terno A Culpa é do Fidel. Filha do renomado e polêmico diretor Costa-Gavras, Julie realiza agora uma boa comédia sobre alguns sintomas do envelhecimento, sintomas muito mais intensos no psicológico do que no corpo. Ao menos para seus dois protagonistas.

William Hurt e Isabella Rossellini são Adam e Mary, um casal às voltas com a vida de sexagenários. Ele é um renomado arquiteto que 30 anos atrás revolucionou a arquitetura de aeroportos e terminais rodoviários. Ela é uma professora aposentada que após um esquecimento súbito passa a perceber a própria idade como antes não percebia.

Esta percepção da idade de Mary se agravará quando, por conselho médico, ela decide fazer exercícios e se envolver com alguma atividade que a mantenha ocupada. Enquanto isso, seu marido reluta em aceitar um projeto de condomínio exclusivo para idosos. Ele está muito mais interessado na possibilidade de desenhar um novo e moderno museu, estimulado por sua equipe jovem.

A graça de Late Bloomers está na paranoia oposta que cada um deles passa a desenvolver. Enquanto Mery se entrega a antecipar uma condição de limitações físicas - enchendo a casa de acessórios “facilitadores” da terceira idade (barras de apoio e utensílios ergonômicos para idosos) -, Adam se recusa a esta entrega e passa a agir de forma pateticamente jovem.

Julie trabalha com desenvoltura situações e diálogos que revelam não apenas uma perversidade cômica em situações pragmáticas do envelhecimento, mas também uma ironia que traz em si uma reflexão sobre o assunto. Sem qualquer pretensão de se fazer um retrato ou uma denúncia, apresenta personagens e pensamentos que expõem o inevitável em cada ser humano: a ação do tempo e as consequências dele.

Como comedia romântica, Late Bloomers se destaca pela abordagem original, nos livrando da mesmice das situações juvenis que o gênero sempre apresenta. Por outro lado, não consegue fugir do esquemático roteiro desse gênero, com sua trama que se enrola e desenrola no mesmo ritmo das comédias românticas comuns.

Mesmo repetindo uma fórmula gasta, o filme alcança um tom de originalidade com sua inversão de visões. Alcança, assim, uma certa dose de verdade, especialmente no modo como a câmera sempre transcreve o rosto de Rossellini em toda sua magnitude de vincos e marcas do tempo. É este rosto carregado de tempo - mas preservando uma beleza inata - e sua desinibição diante da câmera impiedosa no registro desse tempo que dão a tônica do filme. Uma opção muito feliz.

Sem grande pretensão, Late Bloomers funciona como comédia, funciona como romântica e funciona como algo diferente. Embora seja por vezes mais do mesmo, é um “mesmo” mais original e inesperado, muito gostoso de se ver.
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sábado, novembro 05, 2011

Submarino


 

Submarino
Thomas Vinterberg
Dinamarca, Suécia, 2010
105 min.

Estar mergulhado no limbo. A sensação de imobilidade, preso aos laços negros do passado; preso aos laços negros da família. O presente em Submarino, novo filme do dinamarquês Thomas Vinterbeg, é sempre um reflexo incurável do passado, marcado pela solidão e pela culpa. Seus personagens se cercam - ou são cercados – de vítimas e algozes de um mundo maléfico, cheio de desvios melancólicos e sujos. Buscam uma redenção na vontade, mas seus gestos ou os afundam mais no erro ou os levam a andar em círculos. Sobre eles, sempre paira a família.

O filme abre com a vida impiedosa de dois irmãos, ainda jovens, cuidando de outro irmão recém-nascido. Há no plano uma luz angelical de afeto e carinho imensos. A luz que será talvez a última pureza de suas vidas. Fora dela, o apartamento sujo, a mãe drogada e alcoólatra. Ódio, desprezo, revolta. Quando se é jovem, é preciso externar. A consequência é a tragédia, sujeitada à uma banalidade do descuido.

Adultos, os dois irmãos tem vidas imersas no vazio. Trazem as marcas do que viveram na feição e no limbo que estão imersos. O mais velho, tem no álcool seu conforto precário. Tentou ser reto na vida, mas não conseguiu. O outro cuida sozinho do filho de seis anos. A mãe do garoto morreu atropelada. Seu conforto precário é a heroína. Também não pôde se livrar do peso do passado.

Separados, os dois irmãos evitam-se. Mas também se buscam, como numa inconsciente vontade de reverter o passado, de corrigir o rumo, de acertar na vida. Quando finalmente se encontram, desencadeiam consequências duras em suas vidas, como se o amor fraterno e o desejo de reparar os erros não fossem suficientes para salvá-los de si mesmos.

Vinterberg explora o vazio inescapável de seus dois personagens sem sentimentalismo. É frio nessa construção de uma realidade amarga, na composição dos enquadramentos, nas feições. Em cada gesto cabe sempre o peso da culpa. Não é uma amargura que viceja, mas um sentimento que resseca. Cada um a seu modo busca uma redenção, um reparo. E é nesse desejo de redenção que, involuntariamente, destroem-se mais ainda.

Submarino guarda, sim, alguma redenção. Mas a um preço tão alto, física e sentimentalmente, que não se pode dizer ao certo se ela realmente chegou. Em sua catarse da culpa é cruel, mas guarda nas intenções uma beleza de espelho distorcido, um reflexo amorfo da fé e da boa vontade. Seus personagens não são maus, apenas não conseguem evitar a maldade em suas vidas.
 
Vinterberg cria um drama pesado e honesto. Não lança mãos de artificialismos, nem apela para as lágrimas fáceis do público. Seu cenário é seco e frio. Sem espaços para uma melancolia poética. Nessa frieza esmagadora, o futuro de seus personagens é sempre um risco. Mas que de alguma forma vale correr. Se a esperança é rala, não deixa de ser também um credo. Sem altares ou orações, mas com um dever de seguir sempre adiante.
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A Casa dos Sonhos




Dream House
Jim Sheridan
EUA, 2011
92 min.

Existem mais mistérios em Hollywood do que sonha nossa vã filosofia. Um desses mistérios é como atores de razoável qualidade ou renome se envolvem em projetos tão ruins. A Casa dos Sonhos traz em seu elenco Daniel Craig, Naomi Watts e Rachel Weisz. Três nomes de algum respeito envolvidos numa trama que mesmo não sendo original, poderia render boas surpresas. Mas é levada com tanta indefinição, que se perde completamente.

Craig é Will Atenton, um executivo que se muda com a família para uma nova casa numa pequena cidade, onde pretende se dedicar a escrever seu livro. Sua esposa Libbyy (Rachel Weisz) e suas duas filhas parecem entusiasmadas com a mudança para a nova casa e tudo os faz parecer uma família feliz.

As coisas se complicam quando eles descobrem que naquela casa, há anos atrás, ocorreu uma terrível tragédia. Um homem assassinou sua esposa e suas duas filhas a tiros. Junto com a descoberta, coisas estranhas passam a acontecer e pessoas estranhas parecem rondar a casa. Parte da chave desse mistério pode estar na vizinha da frente (Naomi Watts), que parece saber mais coisas sobre o que realmente aconteceu no passado.

Querendo saber o que realmente aconteceu e onde está preso o assassino que morou ali, Will tentará, sem resultado, falar com as autoridades. Diante da resistência de todos, chega à clínica onde o assassino, Peter Ward, esteve internado. Lá receberá uma informação surpreendente, que mudará completamente o rumo da história.

É nesta mudança de rumo que o filme se perde completamente. O grande problema de A Casa dos Sonhos é não apresentar uma definição sobre o que quer ser. Ensaia o terror, depois o suspense, depois o sobrenatural e por fim a loucura. Esta indefinição de qual registro seguir faz com que a trama pareça uma colcha de retalhos. A narrativa pula de um registro a outro e em nenhum alcança qualquer resultado razoável.

O que já estava ruim só piora quando o último mistério é finalmente solucionado. Além de fechar a trama com um argumento precário e ridículo, o filme muda pela última vez o tratamento da trama, saltando para um novo e insosso registro. No final, a sensação que fica é de uma completa falta de conexão entre como o filme começou e como terminou. Além da pergunta de como aquele elenco topou fazer um filme tão indefinido e mal escrito.
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sexta-feira, novembro 04, 2011

A Pele Que Habito




La Piel que Habito
Pedro Almodóvar
Espanha, 2011
117 min.

Revestir o insólito com uma pele de aparência comum é uma das características do cinema de Pedro Almodóvar. Em seus filmes, o improvável ganha uma coerência própria e o que de outra forma poderia ser patético, com este talentoso espanhol se torna aceitável. É assim que o diretor destila sua realidade particular, sempre cheia de fetiches, obsessões, crimes e paixões violentas.

Por isso, apenas dentro desse universo “almodovariano” pode existir a figura do brilhante cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas, voltando a atuar novamente depois de 21 anos sem trabalhar com Almodóvar).

Ledgard trabalha em uma pesquisa para desenvolver uma pele artificial muito mais resistente que a pele humana. O objetivo de seus esforços é a cura (não apenas orgânica, mas também estética) para vítimas de queimaduras. Mas por trás de sua motivação estão questões traumáticas e segredos terríveis do passado. Traumas como a perda de sua esposa, que teve o corpo inteiro queimado em um acidente de carro, e segredos ligados à sua filha, também profundamente afetada com a tragédia.

É envolta nesse mistério que vive na mansão do médico, em um amplo quarto monitorado por câmeras, uma misteriosa prisioneira chamada Vera (Elena Anaya, de Um Quarto em Roma). Ela parece servir de cobaia para as experiências de Ledgard. Há entre o médico e Vera uma estranha relação, marcada por uma forte tensão erótica e pela posição de opostos que ocupam como prisioneiro e a aprisionador.

Como uma obra típica do espanhol Almodóvar, fetiches ocultos como servidão, voyeurismo e dominação são alguns dos elementos da conflituosa relação entre médico e paciente. Uma relação que começou como uma doentia vingança para se transformar numa doentia atração. Os acontecimentos que levaram a isso serão revelados gradualmente, através de flashbacks muito bem inseridos na trama.

Com uma trama que flerta com a ficção científica, Almodóvar se mostra mais uma vez provocador. Desvirtua, com seu personagem obcecado, os limites da ética na ciência e enterra sua trama numa sombria história de contornos sádicos e desumanos. Inspirado no romance Tarântula, do escritor francês Thierry Jonquet, o filme tem também assumidas referências à película francesa Os Olhos Sem Rosto (1960), de Georges Franju.

Na soma das influências, Almodóvar compõe uma história em que o bizarro toma proporções assustadoras, mas com sua inconfundível assinatura. Ela se nota, além das obsessões, no modo como são trançados os fios narrativos da trama, sempre com uma cadência afinada, suave, sem sobressaltos.

Esse azeitamento narrativo contribui para intensificar a surpresa final, quando se revela a natureza da todas as relações entre os personagens. O resultado é um filme ousado, cuja textura narrativa é como uma pele impecavelmente uniforme. Sob ela, o sombrio que habita o ser humano em sua loucura doentia sem limites.
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O Preço do Amanhã



In Time
Andrew Niccol
EUA, 2011
109 min.

Imagine um futuro em que ao se levantar de manhã você tenha um ano de vida pela frente, mas ao cair da noite lhe reste apenas 38 horas de vida? No futuro de O Preço do Amanhã, que estreia nesta sexta (04), esta pode ser uma situação bastante comum na vida das pessoas. Se o adágio tempo é dinheiro ganha cada vez mais força na vida modera, num futuro onde o tempo de vida é a moeda corrente, esse ditado pode ser uma nada engraçada ironia.

Desde que completou 25 anos Will Salas (Justin Timberlake) acorda quase todo dia com menos de 24 horas de vida. Ele vive num tempo em que as pessoas podem viver para sempre, desde que tenham tempo para pagar por isso. Nesse futuro, todas as pessoas nascem geneticamente modificadas para não envelhecerem além dos 25 anos.

O problema é que ao completar 25 anos você tem apenas mais um ano de crédito (vida), registrado em tempo real através de um relógio cutâneo, sempre visível em seu braço. Para viver mais é preciso ter tempo, a moeda corrente desse futuro. E ganhar tempo nos bolsões de pobreza pode ser algo muito difícil.

Nessa realidade, caso seu tempo esgote você simplesmente morre. Por isso as pessoas precisam sempre de mais tempo, seja trabalhando por ele, seja por empréstimos a juros altos, seja roubando. E tudo custa tempo. Um café pode sair por três minutos, a hipoteca de uma casa pode custar um ano. Até lojas com artigos que custam 1,99 minutos estão presentes.

É nessa a vida de tempo curto que vivem Will e sua mãe Rachel (Olivia Wilde) - que numa discrepância genética aparentam a mesma idade. Eles moram e trabalham em um gueto pobre, separado das áreas ricas da cidade pelo que chamam de fuso-horários (para passar de um fuso a outro paga-se horas de vida, quanto mais nobre a região mais horas são necessárias pagar para entrar nela).

Um dia, Will conhece um sujeito com milhares de anos de crédito. Um sujeito que após ter vivido mais de 100 anos não suporta mais continuar. Com uma atitude claramente suicida, esse sujeito acabará doando todos seus anos a Will.

Sem saber o que fazer com tanto tempo e após ver sua mãe morrer por questão de segundos, ele decide ir para o fuso-horário mais nobre, cobrar dos banqueiros imortais a responsabilidade pela miséria em que sempre viveu e que lhe custou tanta dor.

A ideia do argumento de O Preço do Amanhã é original e inteligente. Com sua configuração de tempo como forma de moeda e as desigualdades e discrepâncias que isso provoca, o filme flerta com uma bem pensada crítica ao sistema capitalista e crise financeira do mundo. Em tempos de colapso do sistema financeiro, o filme surge como uma bem articulada metáfora da desigualdade, fragilidade e injustiça desse sistema.

Contudo, o que poderia ser uma aventura de cunho provocador e contestador, cai para a banalidade de uma perseguição recheada de romance e ação ridículo. Ao sequestrar a filha de um banqueiro imortal, Will passa a agir como um Robin Hood do futuro. Mas a trama que se desenrola a partir daí não se sustenta. O filme segue um rumo que reduz a criatividade do argumento a uma sequencia de aventura improvável e tola, descambando para clichês e atuações pífias. Mesmo Timberlake, que já se mostrou um ator de grande talento nas participações que fez em Alpha Dog (2006) e A Rede Social (2010), se mostra fraco e patético nesta produção.

O Preço do Amanhã fica como uma boa curiosidade que lamentavelmente se rende a lugares-comuns, apelos simplistas e trama fraca. Uma promessa muito boa que se desperdiça inteiramente no desenrolar do roteiro.
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