(Texto publicado originalmente em dezembro de 2010)
Corresponsável por um dos filmes mais importantes da história do cinema (Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais [1959]), do qual foi roteirista, a escritora vietnamita Marguerite Duras ganha em São Paulo uma mostra dedicada a seu trabalho como cineasta.
Em exibição no Cinesesc, Marguerite
Duras: Escrever Imagens reúne filmes que Duras realizou, a partir de 1966,
entremeando a carreira principal de escritora com a de diretora. São obras de aproximação com a literatura, que buscam na imagem e na forma ecos e consonâncias com as palavras.
Em Agatha
ou as Leituras Ilimitadas há como que uma busca pela desvirtuação do cinema enquanto
linguagem imagética do movimento.
Tem-se aí uma experiência de cinema com a radicalização de sua forma primária (a fotografia) para trazer literatura. Algo como uma forma que tem no texto a palavra e na imagem o sentimento. Uma sintaxe única, construída na imobilidade de corpos muitas vezes semiocultos no quadro quase estático.
Tem-se aí uma experiência de cinema com a radicalização de sua forma primária (a fotografia) para trazer literatura. Algo como uma forma que tem no texto a palavra e na imagem o sentimento. Uma sintaxe única, construída na imobilidade de corpos muitas vezes semiocultos no quadro quase estático.
Seu ponto de partida, como já
assinalava no texto de Hiroshima, Meu Amor, é a memória, o tempo e a
presença física desta memória e deste tempo. Uma elaboração da busca calcada na
dialética subterrânea do sentimento, agravada neste caso pela imoralidade de um
desejo proibido.
Na vontade de lembrar e de se despedir
de um tempo, um casal de irmãos incestuosos retornam ao balneário de uma
infância cuja lembrança traz o amargo e o delicioso do proibido de seu amor
inevitável. Mas há uma despedida, pois esse amor é impossível de ser vivido
plenamente, e um deles deve partir.
Descontinuadas e sem pressa, as imagens
aqui dão suporte à palavra, que tenta na sua poesia adentrar um sentimento que
o mergulho na imagem acentua. Cruzam-se, assim, literatura e cinema numa
narrativa descontínua, como é típico na memória dos fatos, quase sempre menos
nítida que a memória dos sentidos.
Por isso a mobilidade mínima da imagem
é como um aprisionando, uma tentativa de reter o tempo e com ele a
memória e com ela o sentimento: a dor e a paixão da descoberta proibida. Mas na
luz de inverno da fotografia, o local, fora de temporada e desértico, revela também
a expressão de abandono, a despedida dos dias.
Daí, em certa medida, a urgência em
lembrar e reconstruir essa memória como que pelo expurgo, a catarse da memoração.
Revitaliza-se nesta melancolia verões passados, o amor incestuoso que ali
nasceu proibido e se consumou e os consumiu por tantos anos.
Agatha ou as Leituras Ilimitadas é uma bela experiência poética, antes
de tudo. Como cinema, porém, não se encontra plenamente na sintaxe pretendida. Há
um ruído, uma sutil dissonância entre texto e imagem, ambos belíssimos, mas que não se unem por inteiro.
Apesar disso, fica a interessante
experiência poética, mergulhada em universo de inquietações e sentimentos
perdidos entre o desejo e o proibido, trabalhados sob o prisma de memória.
--
Agatha et les Lectures Illimitées
Marguerite Duras
França, 1981
90 min.
Trailer
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