Happy Few
Antony Cordier
França, 2010
103 min.
A frase que abre o filme Para
Poucos é o tipo de verdade elementar que costumamos esquecer: “Mesmo quando
estamos felizes, procuramos algo mais. Algo que nos arrebate.” Apesar de soar
como falácia de autoajuda - ou autoconhecimento -, este adágio é a explicação
simplificada de algo muito mais complexo. Algo que envolve desejos e tabus, duas
vertentes inatas ao ser humano, e que serão explorados sem alarde e com grande beleza
pelo filme.
A síntese perfeita de sua história também se encontra num
breve diálogo. Rachel (Mariana Foïs) e Vincent (Nicolas Duvauchelle) estão
deitados, nus, quando ela pergunta a ele se não acha que estão se vendo com muita
frequência. “Nós dois?”, ele pergunta; “Nós quatro”, responde ela. Rachel e
Vincent são casados e seus respectivos cônjuges estão, naquele mesmo momento,
dividindo uma cama noutro lugar. Tudo com o amplo consentimento de todos.
Rachel é casada com Franck (Roschdy Zem). Eles têm uma filha
pré-adolescente, trabalham com o que gostam e sentem-se felizes no casamento.
Vincent é casado com Teri (Élodie Bouchez), eles têm dois filhos e não diferem
em nada quanto às realizações e satisfações da vida em relação ao outro casal. Quando
se conhecem, despertam-se mutuamente pela atração ao par alheio. Com poucos
rodeios, explicações ou regras, sentem-se à vontade para explorarem essa
atração, trocando de casais.
Nada os impede. Não há culpa. Apenas prazer. Com isso,
passam a levar adiante esta fantasia, aumentando a frequência dos encontros
trocados. Das poucas regras, uma é estarem sempre separados, em locais
diferentes. Outra regra é nunca comentarem o que fazem e como fazem com o outro
parceiro. E quando um dos quatro sentir-se desconfortável, todos param. Mas
ninguém quer parar o que está bom para todos.
A temática da quebra de padrões socialmente aceitos e as
implicações afetivas disso não é novidade para o diretor Antony Cordier. Seu
filme anterior, À Flor da Pele,
mostrava um triângulo amoroso entre três adolescentes na passagem para a vida
adulta. Agora, os personagens são pessoas maduras, bem estabelecidas e seguras
de si. É por essa segurança que a relação inusitada se sustenta.
Cordier trabalha seu filme no campo da entrega pura. O
suposto desvio de comportamento, o pecado de sua luxúria é suplantado pela
pureza de suas intenções, libido e consentimento. Símbolo dessa pureza é a cena
em que os quatro fazem amor na dispensa da casa de campo, atirados ao chão, cobertos
por farinha de trigo. Depois, banham-se no lago. A pureza do branco que adere a
sua nudez, a paisagem bucólica, solar, mais a beleza de seus corpos nus,
reconstrói a pureza do éden. Um éden sem a solidão e a monotonia de um único
casal.
Mas nas relações humanas nada é simples como jardins
bíblicos.
Não é o ciúme, este agente inevitável, o fator de
complicação. Ele está, sim, presente em fios muito finos, que se embaraçam aqui
e ali, mas sem grandes consequências. O que, no entanto, perturba esta relação
é a complexidade do sentimento. Uma complexidade que nunca está exposta, transita
oculta nos labirintos da mente, do coração e do desejo.
É na construção desse sentimento subcutâneo, sutil, que Para Poucos parece falhar. A certa
altura o filme se pretende um laboratório do amor múltiplo e suas
consequências. As consequências ficam claras, mas as motivações se perdem em
nuances pouco trabalhadas, às vezes até esquemáticas.
Dessa forma, a crise que se instala parece feita de algo
muito mais profundo e diverso do que o filme percebe. Ao invés de transparecer
sentimentos íntimos, de explorar com mais vagar as falhas de compreensão do
sentimento dividido, o filme se esvazia pela lacuna que cria. Um vácuo que
faltou ser preenchido.
Uma coisa, no entanto, fica clara. Para Poucos é a historia de dois casais que se apaixonam um pelo outro.
Não individualmente, mas de forma inteira. É a pretensão de um amor amplificado
para além de dois. Um amor inacessível para a maioria das pessoas. Mas que traz
em sua coragem e experimentação o sacio de desejos universais, estrangulados nocivamente
por velhos tabus.
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