Margin Call
J. C. Chandor
EUA, 2011
107 min.
A ambiguidade em uma das falas finais do personagem de Kevin
Space em Margin Call – O Dia Antes do Fim
serve como retrato de um tempo de colapsos e incertezas. Quando ele diz que
fará o que lhe foi pedido apenas porque precisa do dinheiro, não há como saber
se o sentido de “precisar” se refere a uma necessidade de subsistência ou uma
necessidade por apego. Essa ambiguidade de valores se alterna nos diversos
personagens do filme, que no espaço de 24 horas precisarão lidar
com uma crise que pode abalar o sistema de capitais nos EUA. É a véspera da
crise de 2008.
Kevin Space é Sam Rogers, executivo de um grande banco de capital
especulativo nos EUA. Ele lidera uma grande divisão que gerencia investimentos,
comprando e vendendo ações. Sob seu comendo, também está o departamento que
gere os investimentos de alto risco. Seu subordinado direto é Will Emerson
(Paul Bettany, excelente no papel), um executivo que enxerga seu trabalho com
grande cinismo moral, que nasce de uma indiferença ácida de quem aceita as
coisas como são, embora não goste do modo como são.
O departamento de Rogers e Emerson está passando por uma
demissão em massa. Mais da metade do pessoal será cortado. Entre eles, Eric
Dale (Stanley Tucci) gerente direto da análise de risco. Ele está trabalhando
em um novo modelo de avaliação de risco e antes de sair da empresa entrega o
pen drive com o arquivo para um de seus subordinados, o jovem Peter Sullivan
(Zachary Quinto). Intrigado com o conteúdo do arquivo e o tom grave de seu
ex-chefe, Sullivan se debruça sobre as equações e fórmulas do modelo e descobre
algo que pode significar não apenas a quebra do banco em que trabalha, mas o
início de um colapso total no sistema financeiro do país.
Atordoado pela descoberta, Sullivan liga para o amigo e
colega de trabalho Seth (Penn Badgley), pedindo que ele volte para a empresa. A
partir disso, em um efeito cascata inverso rumo ao topo da hierarquia da
empresa, mais pessoas vão sendo chamadas em plena madrugada para decidirem o
que fazer. Assim, juntam-se a eles Jared Cohen (Simon Baker), Sarah Robertson
(Demi Moore) e, finalmente, o todo-poderoso presidente John Tuld (Jeremy Irons,
em uma participação inspirada).
Durante toda sua duração, Margin Call mantém tensa sua narrativa, que segue num crescendo até
o ponto do anticlímax. Não que o filme desperdice toda tensão criada, mérito de
uma montagem eficiente e enxuta. Acontece que o filme se pretende mais que um
thriller sobre colapsos e mundo corporativo. Quer ir além e ser um filme sobre
homens, sobre diferentes tipos de caráter, mas evitando maniqueísmos simples.
E também quer ser uma crítica ao sistema. Nesse sentido, evita
o óbvio e o clichê. Constrói com precisão figuras cujo discurso é pautado por
justificativas frágeis para apoiar suas decisões e consequências. Tornam-se
vítimas de si mesmas, prisioneiros do sistema, afetadas por ele e dependentes
dele. Mas no fim das contas, entre ganhos e perdas, mantêm-se no topo, por cima
dos mortais que nada sabem do que acontece no olimpo da ganância, da esperteza
e da trapaça. Todos assentados em engrenagens distorcidas de uma realidade
abstrata de números, fórmulas e previsões inexatas.
Nesses personagens há ambição, cinismo e indiferença em
níveis distintos. O cansaço com um sistema que sugou sua vida feito buraco
negro (Rogers); a ácida morbidez de Emerson; a enérgica determinação do chefão
Tuld, e até mesmo a inocência que quase resvala no patético de Sullivan.
A grande qualidade do filme nasce de sua maior falha: a
incapacidade de explicar de forma clara para o expectador o que de fato está errado.
Entre evasivas, pistas e alguma explicação quase técnica, o que faz o filme
criar e reter o suspense, nos mantendo atentos à tela, é a ação dos atores, a
edição afinada, os diálogos cheios de alfinetes.
Margin Call pode
vir a fazer parte de um novo gênero de filmes. Outros devem vir na esteira das
sucessivas crises econômicas, que têm posto em cheque o sistema capitalista sob
o qual vivemos. Se o bom cinema é um reflexo da sociedade e do seu tempo, se coloca-se
como reflexo da História pelas temáticas que escolhe e pela forma como as
molda, então este filme pode ser o primeiro de muitos.
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